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Meio de Contraste Intravenoso em Pediatria: Particularidades, Como e Quando Administrar?

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Os princípios de utilização de meios de contraste (MC) intravenosos, tanto iodados quanto à base de gadolínio, na população adulta e pediátrica (0 a 18 anos) são semelhantes. Da mesma forma, os níveis de segurança relacionados ao uso destes contrastes em crianças são similares ou maiores em comparação com a faixa etária adulta. Porém, desde que surgiram evidências de associação entre fibrose sistêmica nefrogênica (FSN) e uso de MC à base de gadolínio, aumentaram-se as preocupações com a população pediátrica em particular.

Em relação aos MC iodados e seu uso em radiologia pediátrica, deve-se considerar a viscosidade. Essa propriedade se refere à resistência de um fluído ao estresse mecânico, e conforme a viscosidade aumenta, aumenta também a pressão associada à injeção intravenosa do contraste, fator especialmente importante em pacientes pediátricos devido ao uso de cateteres de pequeno calibre em vasos sanguíneos minúsculos.

Tais características são importantes na determinação das taxas máximas de injeção. Em uma situação em que é necessária taxa de injeção rápida através de um cateter de pequeno calibre, se a viscosidade for alta dois problemas podem ocorrer: (1) a velocidade desejada da taxa de infusão pode não ser alcançada; (2) a pressão de injeção elevada pode causar falhas no sistema de injeção ou lesões nos vasos.

Recomendam-se taxas de infusão de 1mL/s a 2mL/s para estudos tomográficos com MC iodado não angiográfico em crianças. Entretanto, é sempre importante atentar-se para recomendações específicas de cada fabricante2.

 

 

Os MC à base de gadolínio são classificados em lineares e macrocíclicos, sendo os macrocíclicos mais seguros e menos associados com o desenvolvimento de FSN devido à sua estrutura molecular que os torna mais estáveis quimicamente e consequentemente menos propensos à dissociação, resultando em menor retenção crônica nos tecidos humanos e menor toxicidade.

Atualmente, a ANVISA aprova os MC à base de gadolínio macrocíclicos Gadobutrol (Gadovist) e Ácido Gadotérico (Dotarem)  para pacientes pediátricos < 2 anos (Tabela 2).

Tabela 2. Características dos MC à base de gadolínio, e orientações quanto a idade permitida e o intervalo entre duas injeções, segundo bulários da  ANVISA e classificação de risco para fibrose sistêmica nefrogênica pelo American College of Radiology (ACR).

 

Pacientes pediátricos que recebem MC intravenosos de qualquer tipo raramente apresentam reações não alérgicas (náusea, vômito, cefaleia e rubor) que são causadas por uma variedade de respostas fisiológicas normalmente associadas a vasodilatação sistêmica causada pelo aumento transitório de osmolalidade, ou por estimulação do tronco cerebral. Ainda que não sejam graves, qualquer reação pequena é muito importante nessa população, pois podem levar as crianças a chorar e/ ou movimentar-se durante o exame.

A literatura disponível sobre a incidência de reações do tipo alérgica relacionados ao uso intravenoso de MC iodados é bastante limitada e muitos estudos relatam não conseguir discriminar entre efeitos adversos não alérgicos e reações do tipo alérgica. Ainda, estudos controlados prospectivos na população pediátrica sobre esse assunto são escassos, mas de um modo geral indica-se que sua incidência seja menor nestes pacientes comparado à população adulta. Sugere-se, entretanto, que o atendimento médico do radiologista seja baseado na utilização de protocolos e diretrizes de Suporte à Vida em Radiologia (SVR) dos Colégios Brasileiro e Americano de Radiologia (CBR e ACR) na condução e manejo de caso clínico.

Artigos disponíveis até o momento sobre MCs à base de gadolínio encontraram taxas de apenas 0,1% de reações alérgicas e de 0,14% de reações adversas não alérgicas na população pediátrica, e nenhuma reação severa foi observada5-7.

Falando agora sobre injúria renal aguda pós contraste (IRA-PC), este tipo de lesão pode ocorrer dentro de 48 a 72 horas da administração intravenosa de MC iodado, sendo caracterizada quando há aumento de pelo menos 0,3 mg/ml na concentração sérica de creatinina.

A IRA-PC raramente ocorre com a administração isolada de MC iodado em crianças, sendo mais comum na presença de alguma condição pré-existente, como desidratação, hipotensão, sepse ou uso concomitante de drogas nefrotóxicas. Assim como em adultos, a presença de doença renal crônica grave é o principal fator de risco. Em crianças, a ocorrência de IRA-PC é uma preocupação quase que exclusiva dos MCs iodados, visto que para os contrastes à base de gadolínio não há qualquer evidência de toxicidade quando utilizados nas doses aprovadas.

Ainda que as estratégias de prevenção à IRA-PC na população pediátrica não estejam plenamente sistematizadas, sugere-se manter hidratação adequada antes do exame de imagem, descontinuar uso de medicação nefrotóxica (se possível), e utilizar menor volume possível de MC desde que não haja prejuízo à acurácia diagnóstica. Também, a dose do contraste deve ser ajustada de acordo com a idade e o peso do paciente, e a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) respeitada e calculada de acordo com parâmetros específicos para a população pediátrica. Nesse contexto, a equação de Bedside Schwartz é a mais recomendada:

De modo geral, sempre deve-se avaliar a real necessidade do uso de MC à base de gadolínio quando TFGe < 30 mL/min/1,73m2. Quando realmente indicado e na ausência de outro meio de contraste e/ou método de imagem, bem como quando os benefícios superarem os potenciais/eventuais risco, o ACR orienta que poderia ser feito uso de MC à base de gadolínio do Grupo II, na menor dose diagnóstica possível (Tabela 2).

A fibrose sistêmica nefrogênica (FSN) é uma condição caracterizada por fibrose tecidual progressiva relacionada com a deposição de colágeno e fibroblastos e está associada com a administração de MC à base de gadolínio, conhecida e estabelecida há mais de 10 anos. Essa condição é extremamente rara em crianças. No entanto, como estratégia de prevenção, recomenda-se a otimização da dose e o uso criterioso nas crianças.

Como regra geral, alguns princípios devem ser considerados para minimizar a exposição desnecessária aos MC à base de gadolínio em crianças:

  1. Utilizá-los apenas quando os benefícios superam os riscos. Para exames de acompanhamento, considerar se há real necessidade de novo uso de MC;
  2. Dar preferência aos macrocíclicos;
  3. Usar fórmulas pediátricas específicas para calcular TFGe;
  4. Consulte especialistas em casos de TFGe limítrofe ou baixa, ou em casos de lesão renal aguda;
  5. Evitar doses repetidas de MC à base de gadolínio.

 

 

Por fim, em março de 2022 a Food and Drug Administration (FDA) emitiu uma orientação recomendando que crianças de até 3 anos fossem monitoradas quanto à possibilidade de hipotireoidismo por até três semanas após exposição a MC iodado. Porém, após revisão dos estudos disponíveis pelo ACR, esta entidade aponta que as evidências se mostraram fracas para apoiar esse monitoramento generalizado, pois os dados atuais sugerem que qualquer depressão na função tireoidiana é transitória e de significado clínico incerto. Podem até estar potencialmente relacionadas à exposição ao MC iodado, no entanto, mais estudos são necessários.

Em suma, não existem evidências científicas convincentes, até o momento, para apoiar testes de rotina da função tireoidiana em crianças, visto que o risco de hipotireoidismo clinicamente relevante é bastante baixo em < 3 meses, e mínimo ou ausente em crianças de 3 meses ou mais. Assim sendo, a decisão por realizar testes após exposição ao MC iodado deve ser individualizada, após revisão dos fatores de risco específicos de cada paciente.

 

Referências bibliográficas

  1. Soares BP, Lequin MH, Huisman TAGM. Safety of Contrast Material Use in Children. Magn Reson Imaging Clin N Am. 2017. doi: 10.1016/j.mric.2017.06.009
  2. Callahan MJ, Servaes S, Lee EY, Towbin AJ, Westra SJ, Frush DP. Practice patterns for the use of iodinated i.v. contrast media for pediatric CT studies: a survey of the Society for Pediatric Radiology. AJR Am J Roentgenol. 2014. doi: 10.2214/AJR.13.11106
  3. Vergara M, Seguel S. Adverse reactions to contrast media in CT: effects of temperature and ionic property. Radiology 1996. 10.1148/radiology.199.2.8668779
  4. ANVISA. Bulário Eletrônico [internet]. Acesso em 1 de Setembro 2022. Disponível em: https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/
  5. Davenport MS, Wang CL, Bashir MR, Neville AM, Paulson EK. Rate of contrast material extravasations and allergic-like reactions: effect of extrinsic warming of low-osmolality iodinated CT contrast material to 37 degrees C. Radiology. 2012. doi: 10.1148/radiol.11111282
  6. Glutig K, Bhargava R, Hahn G, Hirsch W, Kunze C, Mentzel HJ, Schaefer JF, Willinek W, Palkowitsch P; GARDIAN study group. Safety of gadobutrol in more than 1,000 pediatric patients: subanalysis of the GARDIAN study, a global multicenter prospective non-interventional study. Pediatr Radiol. 2016. doi: 10.1007/s00247-016-3599-6
  7. Callahan MJ, Poznauskis L, Zurakowski D, Taylor GA. Nonionic iodinated intravenous contrast material-related reactions: incidence in large urban children’s hospital–retrospective analysis of data in 12,494 patients. Radiology. 2009. doi: 10.1148/radiol.2503071577.
  8. ACR Commitee on Drugs and Contrast Media. ACR Manual Contrast Media 2022. https://www.acr.org/-/media/ACR/Files/Clinical-Resources/Contrast_Media.pdf

 


 

Revisão: Dra. Bruna Dutra

Autor

Mariana R. Rodero Cardoso

Dra. Mariana R. Rodero Cardoso é médica formada pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/ SP (FAMERP). Residência em Radiologia e Fellow em Radiologia Pediátrica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP (FAMERP). Radiologista Pediátrica do HCM - Hospital da Criança e Maternidade de São José do Rio Preto, SP. Integrante do GEMCR.