Arte e Medicina

O Rei Ozias com lepra (Rembrandt, 1639)

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Na Idade Média, as doenças infecciosas causavam terror e estragos. Uma delas foi a lepra, uma doença infecciosa crônica causada por um bacilo álcool-ácido-resistente, o Mycobacterium leprae. Ela afeta a pele e os nervos periféricos, causando danos neurais, muitas vezes irreversíveis, com consequente incapacidade funcional. Atualmente, a lepra tem uma incidência particularmente alta em países pobres e em desenvolvimento.

Embora sua origem seja incerta, a lepra foi conhecida desde os tempos mais remotos da antiguidade. As primeiras referências escritas datam de 2.400 anos antes da nossa era, no Egito e na Índia. A lepra se espalhou da Ásia para a África e a Europa por meio de trocas comerciais e invasões fenícias, gregas e romanas.

Historicamente, a lepra foi a doença mais associada a um castigo divino. Era considerada uma espécie de corrupção física e moral, associada tanto aos prazeres carnais, quanto à alteração ou desequilíbrio dos humores.

A Bíblia, tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento, se refere a ela como “Zarabat” ou “Isara’ath”, termo que gerou muita confusão, pois, por um lado, faz referência a diferentes problemas de pele e, por outro, inclui o conceito de impureza moral ou pecado.

A estigmatização social era tão intensa que, do século VIII ao XIV, a lepra era uma justificativa legal para a separação matrimonial e perda de bens. Era como uma espécie de morte em vida e, em várias comunidades, ocorria uma cerimônia de despedida chamada “separatio leprosorum”, que mais parecia um rito fúnebre, em que o sacerdote pronunciava as terríveis palavras: “Agora você morre para o mundo, mas renasce para Deus”. Os doentes eram excluídos da sociedade e agrupados em hospitais ou casas especiais chamadas leprosários ou lazaretos, sendo que o primeiro foi fundado no século VI. Estima-se que, até o século XII, havia cerca de 18.000 deles em toda a Europa, geralmente localizados fora das cidades e longe das principais vias de comunicação.

O termo “lazarento” tem origem no Evangelho de São Lucas e faz referência à parábola do homem rico, o poderoso Epulão. Junto à porta de sua casa, havia um homem muito pobre chamado Lázaro, coberto de feridas que os cães lambiam, que buscava se alimentar das sobras de Epulão. Lázaro alcançou sua recompensa celestial após a morte, o que Epulão não conseguiu.

Durante as Cruzadas, os casos da doença aumentaram e foi uma verdadeira praga nos séculos XII e XIII, quando até 25% da população do norte da Europa a sofria.

Assim como com outros problemas graves de saúde, a lepra impactou na sociedade, na cultura e na arte. Uma infinidade de representações plásticas evidenciam esse sofrimento ao longo dos séculos. Em 1639, Rembrandt Harmenszoon van Rijn pintou o quadro “O Rei Ozias com lepra” ou “Homem com traje oriental”. Segundo a tradição bíblica, Ozias era um rei de Judá, “leproso até o dia de sua morte, e habitou leproso numa casa isolada, por isso foi excluído da casa do Senhor”. Ele contraiu essa doença como punição por queimar incenso no templo (um ato reservado apenas para os sacerdotes) e ter ficado irado quando repreendido por sua ação.

Rembrandt o representa como um personagem rico e poderoso, vestido à moda oriental, com turbante, peles e um grande broche de ouro no peito. Em seu rosto, apresenta lesões cutâneas, especialmente nas bochechas e nas regiões das sobrancelhas, com o dorso do nariz espessado e uma aparência de leão. Também há lesões em suas mãos.

Seu olhar é triste, refletindo, talvez, o sentimento de culpa e desesperança pelo castigo divino imposto a ele. Desconhece-se se um modelo doente posou para a pintura ou se Rembrandt recorreu a algum dos leprosários próximos a Amsterdã, onde vivia naquela época.

Mundialmente reconhecido como o mais proeminente expoente da Idade de Ouro da pintura holandesa, Rembrandt era filho de um rico moleiro. No entanto, apesar de seu enorme talento (com um grande domínio de luzes e sombras), de seu trabalho prolífico e de ter vivido vários anos sem dificuldades econômicas, o artista morreu na mais absoluta miséria, sufocado por suas dívidas.