Arte e Medicina

São Lucas cura o menino hidrópico (Giovanni Lanfranco, 1620)

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A cura de um doente de hidropisia é um dos milagres realizados por Jesus, como relatado no Evangelho de Lucas [Lucas 14: 1–7]. Essa história não é contada nos outros Evangelhos. No quadro que apresentamos hoje, é São Lucas quem cura um hidrópico, neste caso, uma criança.

São Lucas é caracterizado como um homem idoso com cabelos brancos e barba. Ele segura alguns pincéis na mão esquerda e está sentado diante de um cavalete no qual há um quadro que representa a Virgem, ainda por terminar. Segundo a tradição, São Lucas pintava e foi o autor de um retrato da Mãe de Jesus.

Há outros atributos que contribuem para a clara identificação do santo evangelista. Atrás dele, aparece a cabeça de um touro, o animal que representa o santo no Tetramorfos. O tetramorfos (do grego τετρα tetra “quatro” e μορφη morfé “forma”) é a representação dos quatro evangelistas com figuras animais: o leão (São Marcos); a águia (São João); o anjo (São Mateus); e o touro (São Lucas). Esse tipo de representação é antiquíssima (data pelo menos do século VI) e, provavelmente, tem raízes na mitologia egípcia (os quatro filhos de Hórus) ou babilônica (astrologia zodiacal). Certamente, é uma representação iconográfica que, desde então, tem acompanhado os evangelistas, tornando-se seu símbolo inseparável.

Perto do santo, repousa um livro com a palavra “Hipócrates” escrita no dorso, uma alusão à profissão do evangelista: a medicina. Na epístola aos Colossenses, encontramos: “Saúda-vos Lucas, o médico amado” (Colossenses 4:14).

A figura de São Lucas ocupa dois terços do quadro. Ele ergue os olhos ao céu, como se implorasse ajuda divina para curar o caso que lhe é apresentado. O terço restante do quadro é ocupado por duas figuras: uma mulher jovem, que facilmente deduzimos ser a mãe da criança doente, e o menino hidrópico, que aguarda a cura.

O menino, de 2 ou 3 anos, está completamente nu e apresenta uma coloração escura, com o rosto impressionando pela cianose e uma expressão de grande tristeza. Seus lábios e pálpebras aparecem arroxeados, cianóticos. Ele observa Lucas com um olhar suplicante, sublinhado por grandes olheiras. O que mais se destaca é seu ventre muito proeminente, com aparência ascítica.

O santo médico apalpa o pulso radial do menino com a mão direita, enquanto implora com o olhar a ajuda divina. A mão da criança pende lânguida, sem força. Muitas doenças podem cursar com ascite ou hidropisia (como era mais frequentemente chamada no passado). É difícil determinar a causa no caso desta criança.

Algumas interpretações sugerem que se trata de insuficiência cardíaca congênita, devido à curta idade do menino e à intensa cianose. Outros, observando a ausência de desnutrição, acropaquia e retração intercostal, suspeitam de um neuroblastoma abdominal. Uma terceira hipótese propõe o diagnóstico de kala-azar, uma leishmaniose visceral que cursa com hepatomegalia e esplenomegalia (com grande distensão abdominal), febre, sudorese noturna, pele escamosa e escura, tosse e enfraquecimento geral. Esta doença era relativamente frequente em Nápoles e outras regiões da península italiana no século XVII.

O autor desta obra (que pertence à Galleria Nazionale di Arte Antico de Roma) é Giovanni Lanfranco (1582-1647), um pintor italiano do período de transição do classicismo para o barroco.

 

Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi

Profesor Titular de Diagnóstico por Imágenes, Universidad de Buenos Aires
Miembro Honorario Internacional de la Sociedad Paulista de Radiología

El autor es editor de la Revista “ALMA- Cultura y medicina”