Arte e Medicina

Sileno embriagado (José de Ribera, 1626)

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

José de Ribera foi um pintor, desenhista e gravador espanhol do século XVII, que desenvolveu toda a sua carreira na Itália, inicialmente em Roma, e posteriormente em Nápoles. Ele também era conhecido por seu nome italianizado, Jusepe Ribera, e pelo apelido Lo Spagnoletto (“O Espanholzinho”), devido à sua baixa estatura e à sua reivindicação de suas origens.

Ele cultivou um estilo naturalista que evoluiu do tenebrismo de Caravaggio para uma estética mais colorida e luminosa, influenciada por Van Dyck e outros mestres. Ele contribuiu para moldar a grande escola napolitana. Suas gravuras circularam por toda a Europa e até Rembrandt as conhecia. Autor prolífico e de sucesso comercial, sua fama ressurgiu durante o surgimento do realismo no século XIX.

Sileno embriagado (Francisco de Ribera, 1626)

Em 1626, ele pintou “Sileno embriagado”, uma pintura a óleo sobre tela, de 185 x 228 cm, que atualmente é mantida no Museu de Capodimonte em Nápoles (Figura 1). Esta é a pintura assinada e datada mais antiga conhecida de Ribera.

A composição alcançou fama precocemente, pois Ribera a reproduziu em uma gravura em água-forte, datada dois anos depois, que é considerada a obra mais bem-sucedida e famosa de sua carreira como gravador (Figura 2). Nela, Ribera simplificou a cena, eliminando vários elementos, e deu-lhe um ambiente mais claro ao substituir o muro do fundo por uma paisagem. Como é comum em gravuras reproduzidas, a imagem impressa é invertida: Ribera a repetiu corretamente na matriz de cobre e, devido ao efeito espelhado, as impressões saem invertidas. As impressões de “Sileno embriagado” circularam precocemente pela Europa e deram origem a cópias e derivações.

Na mitologia grega, Sileno era o pai adotivo, tutor e leal companheiro de Baco, o deus do vinho, e era considerado o mais velho, sábio e bêbado de seus seguidores. Ele era filho de Pan, o deus fauno dos pastores e rebanhos. É conhecido por seus excessos com álcool. Costumava estar bêbado e precisava ser sustentado por outros sátiros ou carregado em um burro.

Gravura de “Sileno embriagado” feita pelo próprio Ribera em 1628, conservada no Hermitage de São Petersburgo (Rússia)

No quadro de José de Ribera, a figura central é a de Sileno, que aparece deitado ao lado de um grande tonel de madeira (usado para espremer uvas durante a colheita), em uma celebração em homenagem a Baco. Ele é retratado com todas as características do alcoolismo crônico: sem pelos, com o abdômen inchado pela ascite, rubor facial, principalmente no nariz, injeção conjuntival e coloração amarelada da esclerótica. Também são reconhecíveis a hipertrofia da glândula parótida e a ginecomastia.

Ele está trazendo um recipiente (uma concha) para uma personagem posicionada atrás, que está despejando vinho de uma pele que carrega sobre o ombro. Sileno está deitado sobre um tecido ou manta, agora pouco perceptível devido ao seu desgaste de cor, e que originalmente deveria ser mais claro.

À direita do quadro, vê-se Pan com orelhas, chifres e cascos de cabra, coroando seu filho Sileno com folhas de parreira. Ao redor de Pan, são representados alguns outros objetos típicos do personagem, como o cajado, alusivo à pastagem de ovelhas, a tartaruga (símbolo da preguiça) e a concha (símbolo que anuncia a morte).

No outro lado da tela, no canto inferior esquerdo, uma serpente (símbolo de sabedoria) morde um pergaminho onde aparece a data e a assinatura: “Josephus de Ribera, Hispanus, Valentín/ et academicus Romanus faciebat/ partenope 1626”.

Na parte superior, no canto direito, surge o perfil de uma Ninfa a quem Príapo (deus menor da fertilidade, de cujo nome deriva o termo médico “priapismo”) olha com desejo. No lado oposto, vemos um jovem sátiro sorridente com orelhas pontiagudas segurando uma taça na mão e, atrás dele, um burro que relincha. O burro é um animal associado a Sileno, já que o carrega em seu cortejo báquico. A inclusão do burro relinchando pode aludir a um passagem mitológica muito específica: as intenções sexuais de Príapo com a ninfa Lotis, adormecida após uma festa báquica. Foi o burro de Sileno que, ao relinchar, impediu a concretização do estupro.

José de Ribera retrata esse personagem mitológico quase como numa cena da vida cotidiana, com uma forte dose de ironia e jovialidade, algo que não tem comparação com nenhum outro pintor daquela época.

 

Prof. Dr. Alfredo Buzzi é Professor Titular de Diagnóstico por Imagens, da Universidad de Buenos Aires; Membro Honorário Internacional de da Sociedade Paulista de Radiologia; e Editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina” (http://www.almarevista.com).