José de Ribera foi um pintor, desenhista e gravador espanhol do século XVII, que desenvolveu toda a sua carreira na Itália, inicialmente em Roma, e posteriormente em Nápoles. Ele também era conhecido por seu nome italianizado, Jusepe Ribera, e pelo apelido Lo Spagnoletto (“O Espanholzinho”), devido à sua baixa estatura e à sua reivindicação de suas origens.
Ele cultivou um estilo naturalista que evoluiu do tenebrismo de Caravaggio para uma estética mais colorida e luminosa, influenciada por Van Dyck e outros mestres. Ele contribuiu para moldar a grande escola napolitana. Suas gravuras circularam por toda a Europa e até Rembrandt as conhecia. Autor prolífico e de sucesso comercial, sua fama ressurgiu durante o surgimento do realismo no século XIX.
Em 1626, ele pintou “Sileno embriagado”, uma pintura a óleo sobre tela, de 185 x 228 cm, que atualmente é mantida no Museu de Capodimonte em Nápoles (Figura 1). Esta é a pintura assinada e datada mais antiga conhecida de Ribera.
A composição alcançou fama precocemente, pois Ribera a reproduziu em uma gravura em água-forte, datada dois anos depois, que é considerada a obra mais bem-sucedida e famosa de sua carreira como gravador (Figura 2). Nela, Ribera simplificou a cena, eliminando vários elementos, e deu-lhe um ambiente mais claro ao substituir o muro do fundo por uma paisagem. Como é comum em gravuras reproduzidas, a imagem impressa é invertida: Ribera a repetiu corretamente na matriz de cobre e, devido ao efeito espelhado, as impressões saem invertidas. As impressões de “Sileno embriagado” circularam precocemente pela Europa e deram origem a cópias e derivações.
Na mitologia grega, Sileno era o pai adotivo, tutor e leal companheiro de Baco, o deus do vinho, e era considerado o mais velho, sábio e bêbado de seus seguidores. Ele era filho de Pan, o deus fauno dos pastores e rebanhos. É conhecido por seus excessos com álcool. Costumava estar bêbado e precisava ser sustentado por outros sátiros ou carregado em um burro.
No quadro de José de Ribera, a figura central é a de Sileno, que aparece deitado ao lado de um grande tonel de madeira (usado para espremer uvas durante a colheita), em uma celebração em homenagem a Baco. Ele é retratado com todas as características do alcoolismo crônico: sem pelos, com o abdômen inchado pela ascite, rubor facial, principalmente no nariz, injeção conjuntival e coloração amarelada da esclerótica. Também são reconhecíveis a hipertrofia da glândula parótida e a ginecomastia.
Ele está trazendo um recipiente (uma concha) para uma personagem posicionada atrás, que está despejando vinho de uma pele que carrega sobre o ombro. Sileno está deitado sobre um tecido ou manta, agora pouco perceptível devido ao seu desgaste de cor, e que originalmente deveria ser mais claro.
À direita do quadro, vê-se Pan com orelhas, chifres e cascos de cabra, coroando seu filho Sileno com folhas de parreira. Ao redor de Pan, são representados alguns outros objetos típicos do personagem, como o cajado, alusivo à pastagem de ovelhas, a tartaruga (símbolo da preguiça) e a concha (símbolo que anuncia a morte).
No outro lado da tela, no canto inferior esquerdo, uma serpente (símbolo de sabedoria) morde um pergaminho onde aparece a data e a assinatura: “Josephus de Ribera, Hispanus, Valentín/ et academicus Romanus faciebat/ partenope 1626”.
Na parte superior, no canto direito, surge o perfil de uma Ninfa a quem Príapo (deus menor da fertilidade, de cujo nome deriva o termo médico “priapismo”) olha com desejo. No lado oposto, vemos um jovem sátiro sorridente com orelhas pontiagudas segurando uma taça na mão e, atrás dele, um burro que relincha. O burro é um animal associado a Sileno, já que o carrega em seu cortejo báquico. A inclusão do burro relinchando pode aludir a um passagem mitológica muito específica: as intenções sexuais de Príapo com a ninfa Lotis, adormecida após uma festa báquica. Foi o burro de Sileno que, ao relinchar, impediu a concretização do estupro.
José de Ribera retrata esse personagem mitológico quase como numa cena da vida cotidiana, com uma forte dose de ironia e jovialidade, algo que não tem comparação com nenhum outro pintor daquela época.
Prof. Dr. Alfredo Buzzi é Professor Titular de Diagnóstico por Imagens, da Universidad de Buenos Aires; Membro Honorário Internacional de da Sociedade Paulista de Radiologia; e Editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina” (http://www.almarevista.com).