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A escassez dos meios de contraste iodados

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Um dos temas mais recorrentes nos últimos meses na Radiologia é a falta de meios de contrastes iodados que vem afetando diversos serviços de imagem, independente da sua estrutura. A situação é mundial, e vários fatores que se correlacionam contribuíram para este cenário também no Brasil. O aumento da demanda reprimida pela pandemia de COVID-19, o impacto que a mesma causou na cadeia de suprimentos e logística, além da alta da matéria prima e, a interrupção de fornecimento nos EUA1. Todos estes fatores em conjunto se potencializaram em 2022 culminando no cenário atual.

Frente a esta escassez, muito vem se discutindo como otimizar o uso e manter a qualidade dos exames. Diversos artigos e posicionamentos das Sociedades Médicas estão sendo publicados visando alternativas para superar este período de turbulência.

Uma das estratégias para otimizar o uso de contraste é ajustar a dose baseada no peso2, diminuir a voltagem do tubo da Tomografia Computadorizada (TC)3 ou combinação destes métodos. Davenport e cols4 listaram algumas estratégias (tabela 1) levando em conta também o volume dos frascos utilizados, e o modelo que estimou a maior redução do volume de contraste envolveu a combinação de três mudanças: 1. dose baseada em peso para as TCs não neurológicas; 2. redução de dose de Kv nos pacientes com peso < 80kg e 3. a realização de exame sem contraste quando for aceitável a redução na precisão diagnóstica. Importante reforçar que não existe uma solução única nem padrão que atenda a todos os serviços, visto que há variáveis como a concentração do contraste, diferentes volumes por frascos, uso único ou multipaciente, além do perfil de cada serviço.

 

Tabela 1: Adaptada de Davenport e cols.4

*considerado em todas as opções concentração de 300mg/mg de meio de contraste iodado.

 

Segundo o parecer recente do Colégio Americano de Radiologia (ACR)4 sobre o assunto, outras opções a serem consideradas são: uso de métodos diagnósticos alternativos como a própria TC sem contraste, Ressonância Magnética (RM) sem ou com contraste a base de gadolínio (GBCAs), Ultrassom com ou sem contraste e PET-CT se viáveis; considerar o uso de contraste a base de bário nos exames de trato gastrointestinal na TC ou PET-CT; reservar as altas concentrações de iodo para exames múltiplos ou de angiografia; coordenar com os demais departamentos a priorização dos pedidos de exames.

Além disso, dentro de cada setor, deve-se entender qual o fluxo para priorizar os diagnósticos que precisam de tomada rápida de decisão e tratamento de urgência. Um exemplo são as doenças neurovasculares agudas, nas quais a angiotomografia e angiografia por subtração digital diagnóstica e intervencionista (DAS) têm papel crítico.5 Estas decisões devem ser tomadas em conjunto com os médicos solicitantes de forma que não haja prejuízo ao paciente.

Um artigo publicado por Amukotuwa e cols6 conta a experiência de dois grandes hospitais australianos no gerenciamento do contraste iodado. O primeiro ponto a se considerar é entender o estoque e o consumo esperado para os próximos meses. Conhecer os exames contrastados mais realizados no serviço e o volume médio de contraste utilizado são informações chaves nesta análise. Procedimentos nos quais é imprescindível o uso do contraste iodado como nas angioembolizações, intervenções coronarianas e endovasculares devem ser priorizados. A RM pode ser considerada nos casos que tiver acurácia melhor ou igual a TC, porém esta última ainda deve ser preferida em casos de emergência devido à sua rapidez e acesso. Esta facilidade ao exame da TC, por outro lado, gerou um aumento muitas vezes desnecessário dos seus pedidos, principalmente em pronto-atendimentos, que muitas vezes poderiam ser evitados com um exame clínico mais minucioso e maior tempo de consulta (tabela 2). Esta triagem inicial com toda a equipe será fundamental para encaminhar de forma assertiva os pacientes, diminuindo o número de procedimentos desnecessários.

 

Tabela 2: Adaptada de Amukotuwa e cols7. Estratégias sugeridas pelos autores para redução do uso de meios de contraste iodados.

 

Em linha com estas evidências, o Ministério da Saúde junto a outros órgãos competentes emitiu na segunda semana de julho uma nota7 reforçando o uso racional destes insumos, com fortes recomendações sobre priorizações, gerenciamento assertivo do estoque e orientações de como evitar o desperdício.

Alguns pontos de atenção devem ser ressaltados nos momentos de crise: evitar substituir os meios de contraste iodados por GBCAs na TC, confirmar a procedência de fornecedores evitando medicamentos contrabandeados ou falsos, e um olhar atento para que não haja sobrecarga nos exames de RM e consequentemente falta de GBCAs.

O papel e a liderança do radiologista neste momento são de suma importância junto à equipe multidisciplinar, devendo indicar quais ajustes e prioridades devem ser seguidos. Acompanhar e gerenciar presencialmente a operação, evitando não só o consumo desnecessário, mas também que não haja prejuízo ao paciente.

Resumindo, entenda seu consumo e priorize casos em que não houver equivalência entre os exames. Revise os protocolos, otimizando dose e/ou radiação, e coloque sempre a segurança do paciente acima de tudo. A situação deve ser temporária, mas nos trará aprendizados de como melhorar de forma mais eficiente o fluxo de trabalho e de como utilizar os meios de contraste com maior parcimônia e cuidados. E não se esqueça de se perguntar: A TC sem contraste consegue me trazer respostas clínicas que eu espero?

 

Referências bibliográficas

  1. CBR. Esclarecimento aos associados: Falta de meios de contraste radiológicos no país. Acessado em: 18 de julho de 2022. Disponível em: https://cbr.org.br/esclarecimento-aos-associados-falta-de-meios-de-contraste-radiologicos-no-pais/.
  2. DAVENPORT, Matthew S. et al. Effect of fixed-volume and weight-based dosing regimens on the cost and volume of administered iodinated contrast material at abdominal CT. Journal of the American College of Radiology, v. 14, n. 3, p. 359-370, 2017.
  3. CANSTEIN, Christian, KORPORAAL, Johannes G. Reduction of contrast agent dose: scanning at low kV. Siemens Healthineers; 2020. Acessado em 21 de junho, 2022. Disponível em: https://cdn0.scrvt.com/39b415fb07de4d9656c7b516d8e2d907/87ec6e04a7686fe0/375ae3698b98/ct_whitepaper_contrast-agent-dose-at-low-kv-02015844.pdf.
  4. WANG, Carolyn L. et al. Statement from the ACR Committee on Drugs and Contrast Media on the intravenous iodinated contrast media shortage. Journal of the American College of Radiology, 2022. 20:S1546-1440(22)00350-7.
  5. KAISER, Daniel PO et al. Acute shortage of iodinated contrast media: implications and guidance for neurovascular imaging and intervention. Neuroradiology 2022 Jun 18:1–4.
  6. AMUKOTUWA, Shalini A. et al. Iodinated contrast media shortage: insights and guidance from two major public hospitals. J Med Imaging Radiat Oncol. 2022 May 30. doi: 10.1111/1754-9485.13444. Epub ahead of print.
  7. CBR. Nota do Ministério da Saúde com orientações para racionalização do uso de contraste iodado. Acessado em 18 de julho de 2022. Disponível em: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2022/07/NOTA_CONTRASTE-1.pdf.

 


 

Revisão: Dra. Bruna Garbugio Dutra

Autor

Tatiana Azzi

Dra. Tatiana Azzi é Oftalmologista, Gerente Médica na Bayer, MBA em Gestão em Saúde e Administração Hospitalar e Integrante do GEMCR.