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Extravasamento de meios de contraste

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Extravasamento é a perda com infiltração do tecido circundante após uma infusão intravascular. Quando se trata de meios de contraste é um evento adverso de baixa incidência (ao redor de 0,2% considerando os casos em TC e em RM) embora provavelmente exista subnotificação. Como consequência rara pode suceder dano tecidual local ou ao membro afetado. Existem medidas que podem ser adotadas para prevenir a ocorrência do extravasamento, ou mesmo para conduzir e mitigando as consequências caso ocorra(1,2).

O extravasamento de meios de contraste (EMC) é menos estudado que outros eventos adversos ainda que, comparativamente, seja considerado um dos mais frequentes na radiologia(1). Além disso, por menos consequências que possa vir a ter, a percepção do paciente a esse respeito provoca, no mínimo, insatisfação com seu exame pois fica a impressão que “alguma coisa deu errado”.

Discutiremos, a seguir, um artigo de atualização publicado pela ESUR Contrast Media Safety Committee Guidelines(1) em 2022. Nesta atualização, a ESUR faz uma revisão sistemática sobre o EMC em TC e RM, utilizando a metodologia “PICO” (Patient, Intervention, Comparison, Outcome). Foram avaliadas mais de 7500 publicações, sendo incluídos através da análise qualitativa 59 estudos(1) .

 

 

Fisiopatologia

Três mecanismos podem provocar o EMC: escape por deslocamento (transfixação) ou ruptura da ponta do cateter; vazamento pelo local da punção; e, tensões por cisalhamento e pressão do jato na parede, provocando ruptura do vaso.

O grau de dano tecidual depende do MC (osmolalidade, citotoxicidade e volume) somado à localização da cânula – pior quanto mais profundo (subfascial) comparado ao tecido subcutâneo. Imediatamente após o EMC ocorre reação inflamatória aguda até 48 horas. A maioria dos casos se resolve em 2 a 4 dias com reabsorção pelo sistema linfático, mas pode haver inflamação crônica por semanas.

 

Diagnóstico

Quase sempre o EMC é percebido primeiro pelo paciente ou pelo profissional técnico que o assiste. Pode se constatar o EMC de forma precoce pelo não sincronismo esperado do MC no monitor do equipamento; pela monitorização da pressão na injetora; ou, por acessórios de detecção de extravasamento (que minoram o volume de EMC). O diagnóstico é iminentemente clínico; não se recomenda imagem de rotina para confirmá-lo – ainda que possa ser realizada antes de se retirar o paciente da mesa de exame para os casos mais graves.

 

Registro

Documentação do EMC é crucial. Este registro em prontuário e auditoria dos casos de EMC ocorridos reduz sua incidência em geral.

 

Fatores de risco

Técnicos

  • Locais de injeção menos ideais (veias nos membros inferiores, muito distais ou delgadas)
  • Grande volume de MC administrado
  • MC de osmolaridade mais alta
  • MC viscoso sem aquecimento adequado

 

Do paciente

  • Incapacidade de comunicação
  • Veias frágeis ou esclerosadas
  • Comprometimento da drenagem venosa e/ou linfática
  • Obesidade

 

Medidas preventivas ou de mitigação

  • Técnica meticulosa de inserção do cateter em veia do antebraço de tamanho apropriado
  • Cateter de tamanho apropriado para a veia e taxa de fluxo previsto
  • Teste com soro fisiológico antes da administração do MC
  • Aquecimento do MC, especialmente os de alta viscosidade
  • Administrar o menor volume de MC com base na indicação e parâmetros físicos do paciente
  • Usar fluxo e pressão adequados, especialmente quando se tratar de cateteres venosos centrais
  • Protocolo que permite a detecção precoce de EMC, desde a observação direta até o uso de acessórios de detecção em pacientes de alto risco

 

Tratamento

Independente do volume de MC extravasado, todos os pacientes devem ser avaliados até que se afaste o risco de complicações.

Pacientes ambulatoriais devem ficar em observação até que os sinais e sintomas do EMC não indiquem a necessidade de intervenção; quando dispensados, devem atentar para os sinais de alerta descritos abaixo.

A principal sequela do EMC é a síndrome compartimental, com risco de isquemia por congestão venosa e baixa perfusão, que pode provocar necrose tecidual e lesão neuro-vascular ou até perda do membro.

Os sinais de alerta para a evolução desfavorável de um EMC são:

  • Dor ou edema progressivamente piores
  • Aumento da inflamação local
  • Alterações na sensibilidade cutânea e motricidade do membro afetado
  • Formação de bolhas ou lesões na pele

 

Nesses casos, são necessárias medidas mais ativas e consulta cirúrgica (preferencialmente vascular) para se investigar o risco da evolução desfavorável e intervenção imediata.

 

Protocolo sugerido para o manejo de um EMC

Conservador

  • Interromper a injeção e o exame – classificar como leve, moderado ou grave
  • Documentar com precisão, demarcar a área afetada e consultar o médico responsável
  • Casos leves: elevação do membro, gelo local, monitorizar a cada hora por 2 a 4 horas. Se houver melhora pode ser dada alta. Caso contrário solicitar avaliação cirúrgica
  • Documentação radiográfica para casos moderados e graves – duas imagens com incidência ortogonais ou transversal podem auxiliar na avaliação da extensão e comprometimento mais profundo
  • Registrar o EMC como complicação no relatório radiológico e no sistema de farmacovigilância do serviço
  • Providenciar folheto de orientação para o paciente
  • Se necessário, agendar retorno para avaliação

 

Ativo

  • Se houver suspeita de lesão mais grave (por ex. comprometimento neurovascular, síndrome compartimental, necrose tecidual), solicitar avaliação cirúrgica imediata (preferencialmente por vascular)
  • Recomenda-se avaliação cirúrgica também para EMC maior que 150 ml

 

Conclusão

A revisão publicada pela ESUR traz uma atualização sobre a relevância do conhecimento técnico sobre o EMC. Ressalta o quanto há de espaço para estudos clínicos que esclareçam aspectos desconhecidos dessa ocorrência que, ainda que incomum, carece de melhores evidências clínicas.

 

Referências Bibliográficas

  1. Roditi. G et al. European Radiology 2022; 32, 3056–3066; https://doi.org/10.1007/s00330-021-08433-4
  2. Dutra BG & Bauab T  “Meios de Contraste – Conceitos e diretrizes” 2 ed. (2022, cap.7); http://dx.doi.org/10.46664/meios-de-contraste-2aedicao-7

 

Outros artigos de interesse:

  • Mandlik V, Prantl L, Schreyer AG. Contrast Media Extravasation in CT and MRI – A Literature Review and Strategies for Therapy. Rofo 2019;191(1):25-32; doi: 10.1055/a-0628-7095
  • Santos LMD et al. Elaboration and validation of an algorithm for treating peripheral intravenous infiltration and extravasation in children. Rev Lat Am Enfermagem 2021;29:e3435; doi: 10.1590/1518-8345.4314.3435
  • Hackenberg RK et al. Extravasation Injuries of the Limbs in Neonates and Children—Development of a Treatment Algorithm. Dtsch Arztebl Int. 2021;118(33-34):547-554; doi: 10.3238/arztebl.m2021.0220

 


 

Co-autora: Dra. Bruna Garbugio Dutra
Revisão: Dr. Tufik Bauab Jr.

Autor

Ricardo Alexandre Lagrotta Germano

Dr. Ricardo Alexandre Lagrotta Germano é cirurgião vascular, líder médico LatAm na GE Healthcare, Mestre em Bioética, MBA e advogado. Integrante do GEMCR.