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Meios de Contraste por Via Oral

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O uso do meio de contraste por via oral tem como principal objetivo auxiliar na avaliação das alças intestinais.

Iniciou-se o uso dessa via oral primeiramente em estudos fluoroscópicos e depois na tomografia computadorizada (TC). Inicialmente, o tempo de aquisição de imagem da TC era longo e os cortes espessos e não contíguos, o que tornava o meio de contraste oral positivo importante para diferenciação das estruturas. Com o avanço tecnológico, o uso de meios de contraste por via oral nos estudos tomográficos tornou-se cada vez menos necessário.

Ao longo do tempo, houve uma diversificação de contrastes orais, principalmente no estudo tomográfico, onde passaram-se a utilizar não só contrastes positivos (iodado e baritado), como também neutros (água, polietilenoglicol (PEG), manitol) e negativos (ar).

Avaliaremos as características, indicações e eventos adversos dos principais meios de contraste por via oral.

 

Contrastes positivos

a. Iodado

  • É o meio de contraste positivo mais utilizado na tomografia computadorizada, tendo também uso comum em estudos fluoroscópicos.
  • No estudo fluoroscópico, é um meio de contraste alternativo em casos de contraindicação ao contraste baritado, por ser hidrossolúvel, e assim, absorvido rapidamente pelos espaços intersticiais e pelo peritônio, o que torna a utilização possível em suspeita de perfuração intestinal. Não se demonstra, concomitantemente, efeito deletério pela presença do contraste hidrossolúvel no mediastino ou na cavidade pleural.
  • Na TC, a atenuação intraluminal aceitável para avaliação intestinal é de cerca de 200 UH, para a qual se indicam soluções com concentração de 13–15 mg de iodo por mililitro (mg I/mL), uso oral e retal. Lembrar que devido à absorção da porção líquida desse meio de contraste, a solução torna-se mais concentrada nos segmentos intestinais distais.
  • Existem estudos questionando a concentração de Iodo quando utilizados tomógrafos de dupla energia ou naqueles com redução da voltagem (baixo kVp). A redução da voltagem nos exames de TC diminui a radiação efetiva e aumenta a conspicuidade do meio de contraste iodado, favorecendo o uso de menor dosagem de Iodo, não só para o contraste venoso como para o oral. Existem trabalhos avaliando redução de até 6 mg I/mL para o contraste via oral.
  • É preferível utilizar meio de contraste iodado não-iônico e de baixa osmolaridade (e não de alta osmolalidade), pela melhor palatabilidade, menor preço e menor risco de reações adversas. A aspiração do contraste de alta osmolaridade por via oral pode provocar edema pulmonar, com risco de morte. Os contrastes iso-osmolares ou de baixa osmolaridade são também mais seguros para crianças.
  • As principais indicações dos meios de contraste iodado seriam:
    1. Suspeita de deiscência.
    2. Suspeita de fístula gastrointestinal.
    3. Suspeita de abscesso ou coleção líquida de outra natureza entre alças.
    4. Estadiamento oncológico com suspeita de doença peritoneal.
    5. Colonoscopia virtual.
  • Outra indicação, sugerida por algumas especialidades cirúrgicas, seria na suspeita de suboclusão intestinal por aderências. O meio de contraste iodado poderia fornecer avaliação funcional da alça intestinal ou mesmo ter função terapêutica. Se após 24 horas do início da administração, o contraste oral iodado fosse observado no cólon, não haveria indicação cirúrgica, e sim de tratamento conservador com sonda gástrica.
  • Contraindicações ou situações em que seria melhor evitar o uso oral de contraste iodado estão listadas a seguir. Algumas dessas situações, como com o intuito de avaliação do realce parietal intestinal ou para a pesquisa de conteúdo hiperatenuante (sangramento ou cálculos biliares) na cavidade abdominal, a presença do meio de contraste positivo poderia prejudicar a avaliação. Incluem-se:
    1. Suspeita de isquemia mesentérica.
    2. Suspeita de hemorragia intra-abdominal ou sangramento gastrointestinal.
    3. Angiotomografia abdominal.
    4. Trauma abdominal fechado (agudo).
    5. Alto risco de broncoaspiração.
    6. Indicações hepatobiliares, pancreáticas e genitourinárias.
  • Reações alérgicas (anafilactoides) são incomuns, talvez pela baixa absorção intestinal (cerca de 1% a 2%). Entretanto, em casos em que a mucosa intestinal esteja inflamada e/ou infectada ou mesmo em situações de obstrução intestinal, pode haver aumento da absorção do meio de contraste. Como a reação anafilactoide não é dose-dependente, aceita-se que possa acontecer mesmo com a absorção de pequenas quantidades do contraste. Entretanto, casos moderados ou graves são muito raros.
  • Apesar do meio de contraste iodado por via oral ser utilizado na prática clínica, o uso dessa via de administração não consta na maioria das bulas de meios de contraste iodado comercializados em nosso país.

 

b. Baritado (sulfato de bário)

  • Permanecem como os meios de contraste preferidos para opacificação do trato gastrointestinal em exame fluoroscópico, pois geram maior delineação da mucosa e são mais resistentes à diluição que os iodados.
  • Existem preparados específicos para uso TC, no entanto, não mais disponíveis em nosso meio.
  • As contraindicações relacionam-se a pacientes com mucosa intestinal não íntegra ou com história de alergia ao bário.
  • Complicações mais graves estão relacionadas ao extravasamento do contraste baritado para o mediastino ou para a cavidade peritoneal.
  • A broncoaspiração em pacientes com doença pulmonar pode causar sintomas relacionados a inflamação e retenção pulmonar do contraste.
  • O contraste baritado pode reduzir a motilidade intestinal, sendo recomendada maior ingesta de líquido após o exame.
  • Reações alérgicas (anafilactoides) ao bário entérico são muito incomuns, estimadas em uma a cada 750.000 exposições, sendo a maioria delas leve. Suas manifestações mais comuns são “rash” transitório, urticária, espirros e broncoespasmos leves. Reações alérgicas moderadas e severas estão estimadas em uma a cada 2,5 milhões de exposições, como por exemplo os casos de angioedemas de estômago e de alças delgadas.

 

Contrastes neutros

São os mais utilizados nos estudos tomográficos atualmente, tanto em exames de rotina quanto nas enterografias por TC.

 

a. Água

  • Apesar de a água ser um material praticamente inerte e amplamente disponível, não promove distensão satisfatória das alças intestinais, sendo usada para este objetivo apenas na impossibilidade dos outros produtos. O objetivo principal de seu uso é a distensão gástrica.

 

b. PEG (polietilenoglicol ou macrogol)

  • Meio de contraste mais utilizado nas enterografias (por TC ou RM).
  • Considerado de baixa toxicidade e biologicamente inerte.
  • Amplamente utilizado como excipiente em produtos farmacêuticos, cosméticos e outros. Presente também nas vacinas anti-COVID-19 produzidas com RNA mensageiro, o que levou a suspeita de sua participação nos raros casos de alergia relacionados àquele tipo de vacina.
  • Os casos comprovados de alergia a este produto são poucos e, devido a sua ampla utilização, é difícil a correlação direta entre a alergia e o produto. Nos casos relatados, incluem-se sintomas de hipersensibilidade e reações anafilactoides ocorridos até 10 minutos após o contato.

 

c. Manitol

  • O manitol pode ser utilizado nas enterografias, oferecido com a diluição de 2,5% a 3%.
  • O D-manitol é conhecido por causar reações de hipersensibilidade imediata quando administrado por via intravenosa. Por via oral, a reação alérgica é rara, sendo o primeiro caso descrito em 2015, com urticária e angioedema.
  • Existem trabalhos demonstrando melhor distensão jejunal com manitol do que com PEG nas enterografias.

 

Contraste negativo

a. Gás

  • Pode ser utilizado em associação com os meios de contrate positivos, caracterizando o duplo contraste, principalmente em estudos seriográficos (esôfago-estômago-duodenografia (EED) e enema opaco). Nestes casos seria oferecido por meio de ingestão de sal efervescente, no EED, ou insuflação, no enema opaco.
  • Na TC, pode ser utilizado para estudo cólico na colonoscopia virtual, insuflando-se antes do início do estudo dióxido de carbono (CO2) ou ar ambiente, e também para estudo gástrico, gastroscopia virtual, com ingestão de sal efervescente diluído em água imediatamente antes da aquisição de imagens.

 

Apresentamos os meios de contraste por via oral mais utilizados em nosso meio, suas indicações e contraindicações, bem como efeitos adversos. Apesar do uso diminuído na atualidade, essa via de administração ainda tem indicações precisas e apresenta grande aplicabilidade em algumas situações.

 

Bibliografia utilizada

  1. Positive Oral Contrast Material for Abdominal CT: Current Clinical indications and Areas of Controversy. Perry J. Pickhardt AJR:215, July 2020
  2. Bologna guidelines for diagnosis and management of adhesive small bowel obstruction (ASBO): 2013 update of the evidence-based guidelines from the world society of emergency surgery ASBO working group. Di Saverio et al. World Journal of Emergency Surgery 2013, 8:42
  3. Allergic reactions to oral iodinated contrast agents: Reactions to oral contrast. LJ RIDLEY. Australasian Radiology (1998) 42, 114-117.
  4. Clinical manifestations and impact on daily life of allergy to polyethylene glycol (PEG) in ten patients. Bruusgaard-Mouritsen M.A. et al. Clin Exp Allergy. 2021;51:463–470.
  5. Comparison of Mannitol, Water, and Iodine-Based Oral Contrast in the Evaluation of the Bowel by Multi-Detector Computed Tomography. Thati S, Nagegowda R, Sakalecha A K, et al. (April 20, 2022) Cureus 14(4): e24316.
  6. Low-keV and Low-kVp CT for Positive Oral Contrast Media in Patients with Cancer: A Randomized Clinical Trial. Parakh,A et al. Radiology 2019; 291:620–629.
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  8. Immediate-type hypersensitivity reaction to Mannitol as drug excipient (E421): a case report. G.F. Calogiuri, L. Muratore , E. Nettis, A.M. Casto , E. Di Leo , A. Vacca. Eur Ann Allergy Clin Immunol Vol 47, N 3, 99-102, 2015.
  9. The first joint ESGAR/ ESPR consensus statement on the technical performance of cross-sectional small bowel and colonic imaging. Eur Radiol (2017) 27:2570–2582.
  10. ACR Manual On Contrast Media 2022.
  11. ESUR Guidelines on Contrast Agents 10.0 / 2018.
  12. Anaphylactoid Reactions to the Nonvascular Administration of Water-Soluble Iodinated Contrast Media. Davis, PL. AJR 2015; 204:114 0 –1145.

 


 

Revisão: Dra. Bruna Dutra

Autor

Serli Kiyomi Nakao Ueda

Dra. Serli Kiyomi Nakao Ueda é médica formada pela Faculdade de Medicina da USP; Residência em Radiologia no Hospital das Clínicas da FMUSP; Radiologista abdominal do Grupo Fleury; Radiologista de Medicina Interna do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Radiologista gastrointestinal do Hospital das Clínicas da FMUSP; Integrante do GEMCR.