Conexão Digital

Educação em Radiologia Frente às Novas Tecnologias

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

A Radiologia é uma especialidade médica que por si só remete a tecnologia e inovação.

Muito antes da pandemia da Covid-19, que acelerou a transformação digital por consequência do distanciamento social que se impôs, o médico radiologista já havia inserido em suas rotinas, em maior ou menor grau, o uso de ferramentas tecnológicas como algoritmos de inteligência artificial, telemedicina, dispositivos para reconhecimento de voz, entre tantos outros. Em paralelo ao surgimento e disseminação destas tecnologias, muito se discutiu a respeito do futuro da especialidade frente a estas inovações, especialmente frente à inteligência artificial. Seria o fim da especialidade, ou uma oportunidade de fazer mais e melhor?

A exemplo de várias outras ferramentas que surgiram no passado, as soluções tecnológicas trouxeram avanços de produtividade, permitindo otimizar o tempo, enriquecer a experiência e abrir novos horizontes de conhecimento e desenvolvimento da sociedade.

No caso da radiologia, pouco a pouco, foi-se consolidando a ideia de que as ferramentas de que dispomos hoje não serão capazes de substituir o radiologista em curto ou médio prazos, mas estão aí para acelerar os fluxos de trabalho e melhorar a assertividade diagnóstica, ou seja, são ferramentas a favor do especialista que estiver atento a este movimento e se preparar para estas transformações. A partir do ganho de produtividade haverá a oportunidade de ampliação de conhecimento, busca de novas aplicações e aprimoramento profissional. Cada vez mais, os radiologistas são provocados a saírem de suas salas de laudo e interagirem com seus times, colegas prescritores e pacientes e no fim do túnel vislumbramos a oportunidade de um resgate às raízes da especialidade, quando o radiologista interagia com os pacientes de uma forma mais humanizada.

Se por um lado está claro que o radiologista do futuro precisa sair do isolamento e interagir, aprimorar suas habilidades interpessoais/ comportamentais e resgatar o contato mais humanizado e centrado no paciente, a formação deste profissional carece da priorização do desenvolvimento das soft skills (habilidades comportamentais) necessárias para este mundo novo que é descortinado.

Antes de mergulharmos mais a fundo nesta questão, é importante destacarmos alguns dos desafios enfrentados no contexto atual da educação médica que tem conexão com as transformações no ecossistema de saúde.

Em primeiro lugar, há que se reconhecer uma mudança da expectativa da sociedade em relação aos serviços de saúde. Os pacientes abandonam uma postura passiva e adotam um comportamento mais participativo em relação à sua própria saúde.

Um segundo aspecto, que há muito tempo é pauta de amplo debate e atenção, é a questão da segurança do paciente e a potencial fragilidade deste quesito em um ambiente de aprendizagem.

Outros pontos importantes e intimamente relacionados ao processo de educação são: necessidade de lifelonglearning e metaskilling. Com o avanço da medicina e a explosão de conteúdo científico disponível, se torna cada vez mais importante que o médico se mantenha atualizado por toda a vida (lifelonglearning) e seja capaz de fazer a curadoria do conteúdo que consome, sem cair na armadilha de consumir conteúdos que não tenham um propósito claro de agregar valor em sua formação e/ou carreira (metaskilling).

Por fim, não podemos ignorar que estamos formando novas gerações de radiologistas nativos digitais que não cabem mais na sala de aula convencional e no antigo formato de aulas expositivas. Neste sentido, a evolução tecnológica apresenta um cenário muito mais atrativo para a experiência de aprendizagem na educação médica, combinando diferentes plataformas (lives, webinars, videoconferências, etc), podcasts, videocasts, explosão de perfis nas mídias sociais digitais voltados à educação (como Instagram, Twitter, TikTok, Telegram), desenvolvimento de aplicativos, ChatGPT, uso de artifícios como gamificação, simuladores e as Wearable Technologies como Realidade Aumentada/Realidade Virtual (Google Glass), entre tantas outras.

Essas novas tecnologias acarretam como vantagens principais o treinamento em um ambiente seguro, controlado e sem risco aos pacientes e quanto ao aluno permite contextos autênticos para o aprendizado e avaliação, a possibilidade de práticas repetitivas e deliberadas, o maior protagonismo no controle de seu processo de aprendizagem e a possibilidade de documentação de seus comportamentos e desfechos.

Apesar do impressionante avanço proporcionado pelas novas tecnologias que atendem a demandas importantes do cenário de saúde, ainda formamos radiologistas no velho modelo de priorização de hard skills (habilidades técnicas). Os alunos ainda passam horas em frente às suas estações de trabalho, elaborando pré-laudos e aguardando a correção dos seus relatórios pelo staff. Algumas vezes até mesmo esta correção ocorre de forma assíncrona, desperdiçando a possibilidade de troca de conhecimentos e interação entre professor e aluno e por fim, as interações presenciais voltadas às discussões de casos, cedem espaço às interações online, com um grande potencial de distanciamento e desengajamento do especialista em formação.

É indiscutível que as ferramentas digitais democratizaram o acesso ao conhecimento e surgiram como uma solução para muitos dos novos desafios enfrentados como exposto anteriormente.

É indiscutível também que não há como frear o avanço tecnológico e nem seria benéfico fazermos isso.

Precisamos aprender a usufruir do tempo que a transformação digital pode poupar com burocracias e processos e destinar este tempo no resgate à interação médico-paciente, do toque e do olho no olho para que possamos aplicar todo o conhecimento técnico aprendido com o máximo de acolhimento e humanização.

O uso da tecnologia na educação médica é muito bem-vindo, mas deve servir para apoiar o aprendizado. O foco dos educadores deve se concentrar nos princípios do ensino e na valiosa interação e mentoria dos alunos e não em tecnologias específicas. As tecnologias são apenas uma das ferramentas do ensino médico. O papel dos professores no uso destas novas tecnologias deve ser o de transformar o aprendizado em uma experiência mais colaborativa, personalizada e de empoderamento, lapidando o aluno inclusive nas importantes habilidades comportamentais que serão cada vez mais exigidas. Parafraseando Confúcio: “Diga-me e eu vou esquecer, mostre-me e eu posso lembrar, envolva-me e eu vou compreender”.

Aline Dias Guimarães

Médica Radiologista e Gerente Médica Dasa.educa