Para debater as inovações que estão moldando o futuro da saúde e compartilhar práticas que já transformam o setor, a Philips reuniu executivos e líderes das áreas de TI e gestão em saúde de toda a América Latina entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro, no São Paulo Expo, em mais uma edição do ConnectDay, realizada em parceria com o Healthcare Innovation Show (HIS).
Entre os convidados, esteve o Dr. Woojin Kim, Diretor de Estratégia e Diretor de Informações Médicas da HOPPR, que participou pela primeira vez de um evento no Brasil. Em entrevista ao portal da SPR, ele falou sobre a revolução silenciosa da inteligência artificial – uma transformação já em curso e que promete redefinir o futuro dos sistemas de saúde em todo o mundo. Confira a seguir a entrevista completa!
Muitas pessoas ainda associam a IA ao futuro, mas já existem aplicações concretas. Quais você destacaria hoje como as mais transformadoras?
A Radiologia utiliza IA para priorizar exames urgentes, como sinalizar suspeitas de hemorragias intracranianas ou embolias pulmonares, enviando alertas às equipes de atendimento. Diversos estudos mostraram que o uso da IA como segundo leitor em mamografia apresenta desempenho não inferior e ganhos de produtividade, enquanto a automação de medições e segmentações elimina tarefas repetitivas (por exemplo, medições de discrepância de comprimento dos membros inferiores). A reconstrução por deep learning reduziu significativamente o tempo de exame de ressonâncias magnéticas musculoesqueléticas (MSK MRI), mantendo ou até melhorando a qualidade das imagens – o que aumenta o acesso e a eficiência.
No campo da IA generativa e não interpretativa, a geração automatizada de impressões em laudos radiológicos vem ganhando adoção crescente nos Estados Unidos. No entanto, é importante reconhecer que a adoção clínica da IA em Radiologia ainda é desigual e está aquém do que muitos esperavam. Uma das razões é que muitas soluções aprovadas por órgãos regulatórios são IAs “estreitas” (narrow AI). Como radiologistas, não buscamos apenas alguns achados em um exame. Para que a IA seja realmente “transformadora”, ela precisa se alinhar ao fluxo de trabalho do radiologista e lidar de forma eficaz com o aumento do volume de exames e a escassez de profissionais.
Com os avanços em modelos fundacionais, IA generativa e IA agente, cresce o interesse em funcionalidades como a geração automatizada de rascunhos de laudos; então acredito que essa será uma das inovações mais importantes nas soluções de IA transformadoras.
Quais são os maiores desafios para implementar soluções de IA em sistemas hospitalares já consolidados?
A integração continua sendo uma das partes mais desafiadoras: muitas soluções pontuais vêm como aplicativos independentes, que não conseguem recuperar imagens ou enviar resultados de volta sem interfaces personalizadas. Um artigo recente da European Radiology, de Stogiannos et al., pesquisou diversos fornecedores e identificou como principais barreiras: lacunas na infraestrutura digital hospitalar (64,1%), baixo engajamento dos clínicos (54,7%) e restrições de financiamento (42,2%).
O estudo também destacou que os testes externos e a vigilância pós-mercado são as fases mais difíceis do ciclo de vida da IA. A variação de desempenho entre locais e equipamentos exige avaliação e monitoramento contínuo, o que aumenta a carga de trabalho das equipes de ciência de dados e MLOps. Além disso, compatibilidade com o fluxo de trabalho e confiança são cruciais – cliques extras, resultados pouco transparentes e responsabilidades indefinidas podem dificultar a adoção, mesmo quando a precisão parece adequada no papel. Por fim, preocupações com privacidade, cibersegurança e novas regulamentações para dispositivos médicos representam desafios adicionais.
Como a interoperabilidade e a governança de dados influenciam o sucesso ou fracasso desses projetos?
A interoperabilidade permite que os resultados gerados pela IA apareçam no laudo final e no registro de imagem – e não apenas em um visualizador paralelo. Integrações baseadas em padrões possibilitam automação, rastreabilidade e escalabilidade entre redes hospitalares, enquanto formatos proprietários travam a expansão. Uma governança de dados sólida melhora a confiabilidade dos modelos e acelera a adoção clínica, enquanto dados de baixa qualidade são frequentemente uma das principais causas de fracasso dos projetos. Quando se trata de governança de dados, vale o ditado: “lixo que entra, lixo que sai”.
Qual é o papel de um Chief Medical Information Officer (CMIO) na aceleração da adoção segura e ética da IA?
Embora o papel do CMIO varie conforme o contexto e a instituição, uma das principais responsabilidades desse cargo é conectar os clínicos e a área de TI em saúde. Os CMIOs podem ajudar a estabelecer governança, definir diretrizes e alinhar projetos com as prioridades clínicas, garantindo uma prestação de cuidados eficiente e eficaz. Eles traduzem fluxos de trabalho em requisitos técnicos, incentivam fornecedores a seguir padrões e supervisionam pilotos em etapas.
Em aplicações que envolvem alertas, também podem criar protocolos claros sobre quem deve responder a cada tipo de alerta. Os CMIOs promovem sistemas de educação e feedback que geram confiança e empoderam os profissionais de saúde, defendendo a ideia de aumento e não substituição por automação. Como mencionado anteriormente, a adoção clínica de IA exige avaliação local e monitoramento contínuo para garantir o uso seguro e eficaz.
Os CMIOs podem, ainda, apoiar a adoção ética da IA implementando governança de dados e monitoramento de vieses entre grupos, com autoridade para ajustar limiares de uso ou desativar soluções quando necessário.
Como a IA tem impactado especificamente a radiologia musculoesquelética?
Como mencionado, a reconstrução por deep learning reduziu consideravelmente o tempo de exame de ressonâncias musculoesqueléticas, mantendo ou melhorando a qualidade da imagem. Uma das soluções de IA “estreitas” com adoção crescente é a detecção de fraturas. Na radiologia musculoesquelética, parte do processo interpretativo envolve medições como o ângulo de Cobb e a discrepância de comprimento dos membros inferiores – tarefas que a IA já realiza com alta consistência. Quando combinada com segmentação e rotulagem automáticas, a IA também pode reduzir os aspectos repetitivos da avaliação da coluna, permitindo que os radiologistas se concentrem mais em diagnósticos e casos complexos.
O que diferencia startups de saúde que conseguem escalar de forma sustentável daquelas que ficam para trás?
Startups bem-sucedidas resolvem problemas práticos e demonstram valor com dados prospectivos – resultados, produtividade e retorno sobre investimento (ROI) – e não apenas com demonstrações. Em minhas palestras, costumo enfatizar a necessidade de ir além da precisão clínica e até da eficiência clínica, focando na utilidade clínica.
Uma solução de IA que não é clinicamente útil não será adotada. Muitas vezes, startups falham porque se concentram na tecnologia sem resolver um problema real. Como diz Simon Sinek, é preciso começar pelo “porquê”, não pelo “o que” ou “como”. Quando aconselho startups, costumo dizer que o melhor produto é aquele criado para resolver um problema que você mesmo enfrentou – e que também ajuda outras pessoas. Você sabe que atingiu o product-market fit quando outros estão dispostos a pagar por ele.
Produtos de IA em saúde criados sem expertise clínica têm grandes chances de fracassar. Na radiologia, integração fluida com PACS/RIS/EHR é essencial. Parcerias de dados, utilidade clínica, prontidão regulatória, segurança e um bom custo-benefício criam vantagens e reduzem o tempo de aquisição. Por fim, ética, por meio de testes de viés, transparência, supervisão humana, trilhas de auditoria e resposta a incidentes é o que constrói confiança.
Como deve ser abordada a questão ética do uso da IA em saúde para evitar desigualdades no acesso ou vieses nos diagnósticos?
Tudo começa com dados representativos e avaliação rigorosa antes da implementação, cobrindo diferentes demografias, equipamentos e locais; depois, deve-se garantir auditorias contínuas de equidade, com autoridade para pausar, retreinar ou desativar modelos conforme necessário. Embora muitos defendam, como eu também, a importância da avaliação local das soluções de IA – é essencial incluir análises por subgrupos. Outro ponto frequentemente negligenciado no ciclo de vida da IA é determinar o momento certo de descontinuar uma solução específica.
É importante manter os clínicos informados e exigir resultados transparentes, de modo que erros e sinais de viés possam ser detectados e corrigidos. Combinar salvaguardas técnicas com estratégias de implantação equitativas, incluindo suporte a ambientes com poucos recursos é fundamental para evitar a criação de um sistema de duas camadas. Um comitê institucional de ética em IA, que inclua a voz dos pacientes e esteja ligado a políticas claras de governança, é essencial para manter a responsabilidade e a transparência.
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Sobre o Dr. Woojin Kim
Dr. Woojin Kim é Diretor de Estratégia e Diretor de Informações Médicas da HOPPR, além de Diretor Médico do American College of Radiology Data Science Institute e radiologista musculoesquelético no Palo Alto VA Medical Center. Foi cofundador e Diretor Médico da Equium Intelligence, adquirida pela Rad AI em 2022, e atuou como Chief Medical Information Officer da empresa até 2025. Também foi CMIO da Nuance Communications entre 2016 e 2019 e cofundador e Diretor de Inovação da Montage Healthcare Solutions. Antes disso, exerceu funções de liderança e docência no Hospital of the University of Pennsylvania, onde concluiu sua residência em radiologia e fellowship em imagem musculoesquelética. É membro ativo de diversas sociedades de informática em imagem, como a ACR, SIIM e RSNA.