Arte e Medicina

A Sra. Bennet e seu impetigo (1818/1921)

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Na Coleção Wellcome, em Londres, existe uma publicação intitulada “Pessoas populares de Leeds acometidas por doenças”, que contém uma série de retratos médicos das décadas de 1820 e 1840, representando diversos indivíduos de Leeds, do norte da Inglaterra, que sofriam de diferentes enfermidades. A série oferece uma visão crua e sem adornos das condições médicas e das práticas cirúrgicas da época.

Duas dessas pinturas (de autor desconhecido) oferecem um olhar único sobre uma doença que, embora comum, pode ser profundamente impactante. As obras retratam a mesma pessoa: a Sra. Bennett.

A primeira dessas pinturas (Figura 1, número de catálogo 603108i) mostra a Sra. Bennett em estado de doença. Ela veste um camisão branco de dormir com rendas e um gorro, mas seu rosto revela a gravidade de sua condição. Placas crostosas em tons de marrom-avermelhado cobrem seu rosto, lembrando o mel de urze em textura. Essas lesões afetam quase toda a testa, estendem-se pela área perinasal e periorbitária, e também atingem o queixo. Pequenas lesões ao redor da boca, no pescoço, nuca e região esternal completam o quadro.

Trata-se de um impetigo contagioso – uma infecção superficial da pele causada por bactérias como Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus. Embora mais comum em crianças, este caso ilustra que também pode afetar adultos jovens. A natureza contagiosa da doença sugere que a Sra. Bennett, ao coçar-se ou tocar as crostas, pode ter espalhado a infecção, resultando no aspecto que se observa na obra.

A inscrição ao pé da pintura fornece um contexto temporal: “A doença da Sra. Bennett de 1818 a 1821”. A duração dessa enfermidade nos parece surpreendente hoje em dia, já que atualmente o impetigo é facilmente tratado com antibióticos tópicos em poucos dias. No entanto, na era pré-antibiótica, o cenário era drasticamente diferente.

A segunda pintura (Figura 2, número de catálogo 603109i) apresenta a mesma jovem, agora em fase de recuperação. Com o mesmo gorro e uma roupa marrom que cobre os ombros, seu rosto exibe uma expressão triste e algo inexpressiva. O artista anônimo se esforçou para tornar ambas as obras comparáveis, destacando a transformação da paciente. A pele de seu rosto aparece lisa e completamente curada, sugerindo que o pescoço, a nuca e o colo também se recuperaram.

A inscrição sob esta segunda obra reitera o período do tratamento: “Em cura de 1818 a 1821”. Isso sugere uma recuperação que, embora misteriosa, pareceu ter alguma eficácia.

Por meio dessas representações artísticas, não apenas se documenta um caso de impetigo, mas também se convida à reflexão sobre a evolução da medicina e dos tratamentos ao longo da história. Essas pinturas são um testemunho do impacto das doenças na vida das pessoas e do papel da arte como meio de capturar essa experiência humana.

Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi

Professor Titular de Diagnóstico por Imagem, Universidade de Buenos Aires
Membro Honorário Internacional da Sociedade Paulista de Radiologia

O autor é editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina”