A expressão “viver em um conto de fadas”, em um mundo irreal, onde tudo é fantasia e felicidade, foi muito representada na pintura inglesa da era vitoriana. Falava-se de um estilo específico, o da “pintura de fadas”, um mundo mágico habitado por pequenas figuras de mulheres, aladas ou não, que compartilhavam o cenário com outros personagens, como gnomos, elfos e diferentes animais, geralmente em meio a bosques cheios de flores chamativas e plantas mais ou menos exóticas.
Esse estilo de pintura teve grande aceitação, pois era visto como uma forma de escapar para um mundo de fantasia, longe da pobreza, da fome, do trabalho infantil, do alcoolismo e da prostituição, os flagelos da hipócrita sociedade vitoriana. Hoje, a visão dessas pinturas nos parece mais própria de ilustrações de textos infantis, mas, em sua época, elas representavam imagens inspiradas em lendas e obras literárias famosas que se passavam em mundos fantásticos, como as comédias de Shakespeare “Sonho de uma Noite de Verão” e “A Tempestade”.
John Anster Fitzgerald (1819-1906) se dedicou a pintar fadas e monstros com uma constante referência às drogas psicoativas em suas obras. Ele começou sua carreira como retratista, mas, quando suas pinturas de fadas se tornaram conhecidas, passou a se dedicar a esse tipo de arte, que tinha grande aceitação do público, a ponto de ser chamado de “Fairy Fitzgerald”.
Há uma clara influência de Hieronymus Bosch em suas obras, visível especialmente nas pequenas figuras de monstros que compartilham o espaço com as fadas. A pintura “O funeral da fada” (Figura 1) é um bom exemplo das imagens oníricas de Fitzgerald. Reconhece-se a presença de campânulas (Ipomea versicolor), cujas sementes são alucinógenas, e de personagens fantásticos.
Além das campânulas, Fitzgerald incluía outros agentes produtores de toxinas psicoativas, como cogumelos e batráquios, que completam o cenário psicodélico.
A referência a drogas psicoativas é quase uma constante em suas obras, às vezes, de forma bastante sutil, mas, em outras, é o próprio tema da pintura, como em “O sonho do cachimbo” (Figura 2). Um universo de figuras fantásticas – fadas, diabinhos e elfos – parece dançar na fumaça que surge do cachimbo de ópio do próprio artista.
Para que não restassem dúvidas sobre sua adição aos sonhos induzidos por drogas, ele se retratou na pintura “O sonho do artista” (Figura 3), de 1857, atormentado pelos monstros criados em seu pesadelo, que fazem piruetas ao seu redor. Ao seu lado, está uma taça de láudano.
Em “O sonho após o baile de máscaras”, ele mostra uma jovem em um sono profundo e plácido, provavelmente induzido por drogas neurodepressoras, através do qual lhe surgem visões de seres de formas e cores variadas. Se observar com atenção, é possível ver um desses seres oníricos carregando uma bandeja com uma taça de láudano.
Na obra “O pesadelo”, de 1867, para confirmar que o sonho ruim da protagonista foi induzido pelo ópio, vários duendes imaginários lhe oferecem taças de láudano, servidas de frascos visíveis sobre a mesa de cabeceira.
Talvez isso explique o significado da expressão “viver em um conto de fadas”, um mundo irreal, onde tudo é fantasia e felicidade.
Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi
Profesor Titular de Diagnóstico por Imágenes, Universidad de Buenos Aires
Miembro Honorario Internacional de la Sociedad Paulista de Radiología
El autor es editor de la Revista “ALMA- Cultura y medicina”