
A pelagra, uma doença nutricional causada pela deficiência de vitamina B3 (niacina), foi um dos problemas de saúde pública mais importantes no início do século XX nos Estados Unidos. Ainda é uma condição associada à desnutrição e à pobreza em ambientes de poucos recursos e pode se manifestar também em contextos mais favorecidos, entre pacientes com dietas restritas (por exemplo, aqueles com transtorno grave por uso de álcool) ou síndromes de má absorção.
A pelagra se manifesta clinicamente como uma dermatite, com placas dérmicas com hiperpigmentação, eritema e uma descamação semelhante a goma-laca conhecida como “colar de Casal”, acompanhada de diarreia e, em casos graves, demência e morte.
O “colar de Casal” leva esse nome em homenagem a Gaspar Casal, um médico espanhol do século XVIII que descreveu a doença nas Astúrias. Trata-se de uma erupção eritematosa e descamativa em forma de colar ao redor do pescoço, que ocorre devido à fotosensibilidade. Com o tempo, a pele afetada pode se tornar hiperpigmentada e espessada.
A pelagra era comum em regiões agrícolas onde trabalhadores rurais, operários industriais e outros trabalhadores sobreviviam com dietas limitadas, geralmente restritas a pão de milho, gordura e/ou melaço, com fontes pobres de niacina. Pessoas encarceradas e institucionalizadas em ambientes médicos também corriam risco. Devido à pobreza estrutural e à discriminação racial, a população negra nos Estados Unidos foi desproporcionalmente afetada.
O Dr. Joseph Goldberger (1874–1929), funcionário do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, dedicou grande parte de sua carreira à investigação da etiologia e do tratamento da pelagra. Ele conduziu pesquisas clínicas na fazenda-prisão de Rankin, no Mississippi, e trabalhou no Hospital Estadual Central da Geórgia e no Hospital de Pelagra de Spartanburg, na Carolina do Sul, onde supervisionou a alimentação de pacientes com dietas equilibradas para investigar quais alimentos continham o “fator preventivo da pelagra”. Esse fator foi identificado posteriormente, em 1937, pelo bioquímico americano Conrad Arnold Elvehjem. Elvehjem identificou duas vitaminas — o ácido nicotínico (também conhecido como niacina) e a nicotinamida — coletivamente denominadas vitamina B3, cuja deficiência é responsável pela pelagra.
Goldberger demonstrou, por fim, que a pelagra era uma doença nutricional e não infecciosa, apontando a pobreza no sul dos Estados Unidos como causa. Profeticamente, ele investigou os determinantes sociais da pelagra, escrevendo sobre como a pobreza e o racismo mediavam o acesso a alimentos saudáveis.
Goldberger acreditava que os médicos precisavam de treinamento adicional para reconhecer o eritema sutil e outras manifestações clínicas da pelagra. Por isso, em 1919, ele encomendou ilustrações coloridas de pacientes em hospitais da Geórgia e da Carolina do Sul. Ele percebeu que as fotografias em preto e branco das lesões de pelagra forneciam “resultados menos que satisfatórios” para a identificação das placas dérmicas. As ilustrações em cores eram necessárias para documentar os tipos e variações das lesões características da doença, e foi com esse propósito que procurou um artista.
Em 1919, escolheu o retratista John Wesley Carroll (1892–1959), que havia sido comissionado durante a Primeira Guerra Mundial pela Marinha dos Estados Unidos, para fazer litografias anatômicas de lesões de combate. O resultado foi uma coleção de 41 ilustrações detalhadas de pacientes com pelagra.

As ilustrações de Carroll conferiram a dignidade do retrato aos pacientes representados. Seus desenhos mostravam a dermatite da pelagra no rosto e pescoço, incluindo o colar de Casal (Figura 1), o que sugere que Goldberger pretendia que os futuros médicos ganhassem experiência diagnóstica por meio dos desenhos, para que pudessem reconhecer os sinais da doença.
É importante destacar que as semelhanças entre as ilustrações clínicas ajudaram a combater a crença racista da época de que as placas dérmicas eram mais difíceis de identificar em pacientes com pele mais escura (Figura 2).
Goldberger planejava publicar as ilustrações em futuros livros de medicina, mas não há evidências de que tenham sido oficialmente publicadas.
Na década de 1950, os retratos da pelagra foram descobertos no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) pelo Dr. William Henry Sebrell Jr., um epidemiologista nutricional e ex-aluno de Goldberger, que na época era diretor do NIH. Quando Sebrell se aposentou, as ilustrações permaneceram no NIH, onde foram arquivadas e esquecidas. Anne Meyers, arquivista do Instituto Americano de Nutrição, resgatou as ilustrações antes que fossem queimadas.
Em 1978, as imagens foram formalmente doadas à Biblioteca Biomédica Eskind, da Universidade de Vanderbilt, pelo Dr. Arnold Schaefer, colega da Sra. Meyers no Instituto Americano de Nutrição, sendo incorporadas à coleção Goldberger-Sebrell.
É importante destacar que, no momento em que Carroll realizou as ilustrações, ainda se acreditava que a pelagra era uma doença infecciosa. Apesar disso, ele passou centenas de horas em contato direto com 41 pacientes — um ato de cuidado e empatia para com os marginalizados pela pobreza, pelo racismo e pela doença.
O uso do retrato por Carroll — uma prática tradicionalmente reservada à elite social — revelou, então e agora, o poder da arte para ajudar a combater o estigma associado à doença.
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Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi
Professor Titular de Diagnóstico por Imagem, Universidade de Buenos Aires
Membro Honorário Internacional da Sociedade Paulista de Radiologia
O autor é editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina”