Arte e Medicina

O lúpus da Rainha Ana (John Closterman, 1702)

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O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica de origem autoimune, multifatorial, que afeta a pele, articulações e órgãos internos.

Figura 1

Antes das descrições clínicas que conhecemos hoje, é provável que, sem saber, diferentes artistas tenham retratado o lúpus eritematoso sistêmico (LES) em suas obras. Uma das figuras famosas sobre as quais se especula ter tido LES foi Ana Estuardo (1665-1714), rainha da Inglaterra, Escócia e Irlanda, a partir de 8 de março de 1702, e da Grã-Bretanha e Irlanda, a partir de 1 de maio de 1707 (quando Inglaterra e Escócia se uniram em um único reino), até sua morte. Por isso, Ana se tornou a primeira soberana da Grã-Bretanha e a última soberana britânica da Casa dos Estuardo. Ela foi sucedida no trono por seu primo segundo, Jorge I, da Casa de Hanôver.

Casada com Jorge de Dinamarca, Ana teve pelo menos 17 gestações, a maioria delas sem sucesso. Dois filhos faleceram poucas horas após o nascimento, e outros dois morreram em tenra idade. O único que sobreviveu até os onze anos foi Guilherme, duque de Gloucester, que tinha problemas neurológicos.

Sabe-se que durante a infância, a rainha Ana teve varíola. Na idade adulta, ela sofreu de obesidade significativa e uma afecção poliarticular diagnosticada na época como gota, o que dificultava sua locomoção. Além disso, relata-se uma erupção facial que inicialmente coincidia com os ataques de gota. No final de sua vida, ela desenvolveu ascite e edema generalizado, vindo a falecer devido a uma doença neurológica não bem especificada.

Muito além dos vários diagnósticos considerados, a única doença que parece explicar de maneira abrangente seus problemas é o lúpus eritematoso sistêmico (LES). O sexo feminino, a idade, a poliartrose, a erupção facial e as gestações mal-sucedidas são dados fundamentais. No final, ela pode ter desenvolvido insuficiência renal e hipertensão como causa de sua morte. As perdas fetais repetidas talvez estejam relacionadas ao síndrome de anticorpos antifosfolípides ou síndrome de Hughes, um problema descrito em 1975 como associado ao LES, podendo precedê-lo por muito tempo. Os dois filhos que faleceram nas primeiras horas talvez tenham sofrido de bloqueio cardíaco congênito, que é comum em recém-nascidos de mães com lúpus, e o problema neurológico do único filho que viveu vários anos também foi descrito como associado ao lúpus materno.

Figura 2

No Retrato da Rainha Ana, realizado por John Closterman em 1702 (Figura 1), a soberana é representada com sua vestimenta de coroação, em pleno poder, segurando um cetro na mão direita e um globo na esquerda, indicando o domínio da Inglaterra. Ela veste um vestido muito elegante de seda, com detalhes de pele, que na parte central do peito exibe uma imagem de São Jorge, patrono da Inglaterra. A rainha não é representada com sinais de obesidade, talvez por escolha artística. Suas mãos mostram edema ou sinais de obesidade, mas não há vermelhidão ou deformidades articulares visíveis. Na face, o eritema malar é bastante evidente, o que se repete em outros retratos da rainha feitos por diferentes artistas, como o de Michael Dahl (Figura 2), de 1705. Dessa forma, esse dado parece ser real, e, considerando-se grande parte de seu histórico, não parece haver dúvida quanto ao diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES).

Nascido em uma família de artistas na Baixa Saxônia, Alemanha, John Closterman foi um pintor do gênero barroco que iniciou seus estudos na França. Viajou por diversos países europeus e passou um tempo na corte espanhola, mas foi na Inglaterra, onde acabou falecendo, que alcançou relativa fama retratando principalmente membros da aristocracia e da nobreza.

Outros artistas que produziram pinturas que sugerem a presença de lúpus em seus modelos incluem Rembrandt em “Retrato de Maria Bockenolle” (1634), Francisco de Goya em “El Parasol” (1777), e Gustav Klimt em “Retrato de Adele Bloch-Bauer” e “A Dama Dourada” (1907).