A corte espanhola de Felipe IV (1605–1665) foi excepcional pelo número de bobos da corte, anões e pessoas com deficiência que viviam sob o patrocínio real e viajavam com o rei. Mais excepcionais ainda foram os retratos realistas e sensíveis que deles fez o pintor da corte, Diego Velázquez (1599–1660).
Diego Velázquez foi um pintor barroco espanhol, considerado um dos maiores expoentes da pintura espanhola e um mestre da pintura universal. Passou seus primeiros anos em Sevilha, onde desenvolveu um estilo naturalista com iluminação tenebrista, sob influência de Caravaggio e seus seguidores. Aos 24 anos, mudou-se para Madri, onde foi nomeado pintor do rei Felipe IV e, quatro anos depois, foi promovido a pintor da câmara, o cargo mais importante entre os pintores da corte. A essa função, dedicou o restante de sua vida.
Velázquez pintou anões junto com seus patronos reais, incluindo jovens príncipes e princesas, e também os retratou como indivíduos, demonstrando que faziam parte da família real. Velázquez nunca zombava dos anões nem os ridicularizava. Pelo contrário, sempre os representava com respeito, cheios de dignidade, numa atitude compassiva e solidária diante de suas limitações físicas ou psíquicas.
Embora o espectador moderno possa supor que sua inclusão na vida palaciana fosse evidência da preocupação da realeza com o bem-estar dos menos afortunados, sua presença tinha como principal finalidade o entretenimento da casa real e o acompanhamento das crianças reais. Os membros do séquito real competiam entre si para conquistar o favor do rei, enquanto aos bobos da corte e anões era frequentemente permitido falar com franqueza ou fazer piadas sobre assuntos reais. Como a maioria dos anões da corte era inteligente, alguns chegaram a ocupar cargos importantes.
O Retrato de Francisco Lezcano, de Velázquez, conhecido como “O Menino de Vallecas”, é uma representação realista de um anão. Sentado sobre uma rocha, com a perna direita estendida em escorço na direção do espectador, brinca com algumas cartas nas mãos — símbolo da ociosidade. Veste um gibão verde, traje típico para caça ao ar livre, mas de forma desleixada, com a camisa amarrotada aparecendo apenas de um lado no decote. Sua cabeça está levemente inclinada e sua perna direita voltada para frente. Ao fundo, veem-se as montanhas da Sierra de Guadarrama. Provavelmente pintado enquanto acompanhava o rei em uma caçada, este retrato foi exibido na Torre de la Parada, um pavilhão de caça nos arredores de Madri. Esta pintura a óleo sobre tela, de 107 cm × 83 cm, pertence atualmente ao Museu do Prado (Madri, Espanha).
Os historiadores da arte geralmente presumiram que o Menino de Vallecas sofria de deficiência intelectual com base em sua aparência facial. Alguns supõem que ele tinha cretinismo. No entanto, não se trata de hipotireoidismo, mas sim de uma displasia esquelética. Trata-se de acondroplasia ou, possivelmente, de sua variante mais leve, a hipocondroplasia. A menos que haja complicações no parto, as pessoas com acondroplasia têm inteligência normal, embora às vezes possam apresentar hidrocefalia e, em outros casos, megalencefalia. A expressão facial do Menino de Vallecas também pode ser a de uma pessoa absorta em seus pensamentos ou envolvida em alguma reflexão.
O anão apresenta traços característicos da acondroplasia, com encurtamento da parte superior dos braços (rizomelia) e dedos curtos (braquidactilia). A cabeça é aumentada e a ponte nasal está deprimida. Há um aparente encurtamento das partes superior e inferior das pernas. Seu pé direito é pequeno e a perna direita está arqueada.
A acondroplasia é a forma mais comum de nanismo de membros curtos e afeta mais de 250.000 pessoas em todo o mundo. Mais de 95% dos pacientes apresentam a mesma mutação pontual no gene do receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos (FGFR3), e mais de 80% dessas são mutações novas.
Pessoas com nanismo, muitas vezes, foram estigmatizadas, alvo de zombarias e tornaram-se fontes de superstições e curiosidade pública.
Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi
Professor Titular de Diagnóstico por Imagem, Universidade de Buenos Aires
Membro Honorário Internacional da Sociedade Paulista de Radiologia
O autor é editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina”