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Correr e empreender: tudo a ver

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“Em corridas de longa distância, o único oponente a ser batido é você mesmo.”

Haruki Murakami

 

Não me lembro muito bem quando foi que comecei a correr. Só sei que depois que comecei, nunca mais parei. Primeiro foram as corridas curtas, descompromissadas e sem rotina. Depois vieram os treinos mais longos, ainda sem supervisão ou assistência. Com o tempo, fui tomando gosto e decidi que deveria ter alguma forma de acompanhamento. Foi quando comecei a treinar regularmente, de 3 a 4 vezes por semana, até chegar à média atual de 200 km mensais. A coisa foi ficando séria e resolvi começar a participar de provas: primeiro vieram as de 10k, depois as de 15k, até que resolvi encarar uma meia maratona. E jurei para mim mesmo: maratona? Nunca! Isso é coisa de maluco, faz mal para o corpo!

Enquanto me preparo para a minha terceira maratona, em Porto Alegre, e já vislumbro Berlim, em setembro, não consigo deixar de pensar nas diversas associações entre o hábito da corrida e outra atividade que fui desenvolvendo ao longo dos últimos anos: o empreendedorismo em saúde. À primeira vista parecem não ter ligação, mas quanto mais corro, mais semelhanças vejo com a disciplina e foco necessários para desenvolver uma ideia, transformá-la em produtos, formar uma equipe, estruturar uma empresa e impulsionar seu crescimento. Empreender, assim como correr, demanda persistência, foco, resiliência e adaptação a mudanças. Exige uma saída da inércia, superar percalços, atravessar obstáculos e pensar a longo prazo. Há diversas semelhanças, e vejo que o hábito do esporte traz um apoio enorme para empreendimentos pessoais e profissionais.

 

Começar é simples (basta vencer nossa preguiça!)

Para correr e empreender, o mais difícil é sair da inércia. Sempre preferi treinar de manhã, para não ficar empurrando a vontade (e a preguiça) ao longo do dia. Uma vantagem da corrida, comparada a outros esportes, é a facilidade de praticá-la em qualquer lugar, a qualquer momento. Toda vez que viajo, a turismo ou a trabalho, levo um par de tênis e saio para correr, conhecendo o local da melhor forma possível: nas ruas, de um ângulo totalmente diferente das janelas dos carros, e em contato com os habitantes locais.

Ao longo do caminho, há possibilidade de variar o itinerário, ter contato com a natureza, explorar novas regiões e conhecer destinos que não veríamos de outra perspectiva. A analogia com empreender é imediata: o mais difícil é sair da rotina, assumir um desafio e colocar em prática aquela ideia antiga guardada na cabeça há tanto tempo. A principal trava, muitas vezes, está em nós mesmos e na nossa aversão a perdas e mudanças. Como diz a filosofia budista, “caminha e o caminho se abrirá”. Comece a correr (ou a praticar qualquer outro esporte do seu interesse) e transforme o hábito em rotina; passe a empreender e abra novos horizontes para sua vida pessoal e profissional. Lembre-se que haverá diversos obstáculos: nem sempre a ideia inicial é a que persiste; muitas vezes precisaremos começar de novo; e teremos diversos fracassos até conseguir algum sucesso. O mais importante, assim como na corrida, é aproveitar o caminho, aprender com os acertos e erros e buscar alcançar algo que te deixe realizado ao longo da jornada.

 

Aprendizado de perseverança, resiliência e foco

Empreender, em saúde ou em outros domínios, não é uma tarefa de curto prazo, e demanda persistência e adaptação. É preciso ter uma ideia, colocá-la em prática, formar uma equipe, abrir uma empresa e desenvolver produtos e soluções. Além disso, será necessário buscar investidores, receber negativas, mudar a rota, conquistar clientes e fazer a empresa crescer. Nada muito diferente da corrida: ou alguém acha que basta calçar o par de tênis e partir para uma prova, ainda que curta? Já presenciei diversas vezes corredores ocasionais, daqueles que só se exercitam aos fins de semana, resolverem fazer uma prova de 10k e desistirem logo após a largada. Também já vi, em outras ocasiões, corredores que decidiram participar de uma meia maratona abandonarem no meio do caminho, exaustos, por falta de planejamento.

Correr uma maratona talvez seja o maior exemplo de persistência e foco: é preciso se planejar com pelo menos 4 meses de antecedência e treinar arduamente, diversas vezes por semana e com distâncias e grau de dificuldade crescentes. Por mais que eu dissesse que nunca participaria de uma, quando corri a primeira, em Buenos Aires, fiquei encantado com o apoio do público e o excelente astral que envolve esse tipo de prova. Além disso, o aprendizado de perseverança e foco que se adquire durante os treinos é algo que te ajuda em diversos outros momentos da vida. Assim como na maratona, empreender é tarefa de longo prazo, à custa de muitos treinos, preparo e dedicação.

Um empreendedor até pode ter sorte e acertar precisamente com a sua primeira ideia, mas a experiência mostra exatamente o oposto: cerca de 95% das startups morrem, muitas delas no primeiro ano,         seja por falta de foco, determinação, produto adequado, dinheiro ou equipe coesa. O mesmo se passa com corredores; o famoso adágio “no pain, no gain” é a mais pura verdade. Sem determinação e planejamento, não há empreendimento ou plano de corrida que resista. Basta lembrar que Fidípides, considerado o primeiro maratonista da história, correu os 42km que separam Atenas de Maratona a fim de participar da batalha contra os persas e caiu morto ao chegar de volta a Atenas, logo após dar a notícia da vitória na batalha. Além disso, nunca estaremos prontos para o desafio na sua plenitude: ao nos prepararmos para maratonas, raramente passamos de 30 a 32 km; os primeiros 42 km só serão atingidos ao término da prova. É exatamente o que acontece na vida do empreendedor: durante a fase de projeto, incubação ou aceleração da startup, ainda não teremos colocado a prova o desafio completo. Precisaremos ir ao mercado, buscar clientes e encarar o desafio do mundo real. O treino irá nos preparar, mas apenas a prática cotidiana nos deixará prontos para validar nossas ideias e pensar nas próximas empreitadas.

 

Alívio de estresse, celeiro de ideias e prevenção de burnout

Correr é sempre um ótimo momento para manter contato com a natureza, refletir sobre o que tem nos mantido ansiosos e pensar em novos projetos. O simples fato de estarmos longe das telas e celulares (não, não corram com seus smartphones!) faz com que estejamos desligados do mundo virtual e conectados com nossos pensamentos. Um ótimo momento para refletir antes de enviar aquele e-mail ou de tomar decisões precipitadas em relação aos planos de uma nova startup ou sobre o futuro de outros empreendimentos. Ao mesmo tempo, uma excelente ocasião para conectar-se consigo mesmo, refletir e planejar os próximos passos para a vida pessoal e profissional. Aproveite o momento do esporte para aliviar a tensão do dia a dia e poder pensar, com calma, no que pretende empreender e como tomará suas decisões e executará as próximas ações.

 

Trabalho em equipe

Por mais que correr seja uma atividade solitária, participar de provas e desenvolver um planejamento de longo prazo demanda um trabalho coletivo. A participação de educadores físicos, nutricionistas, médicos, fisioterapeutas e massagistas ajuda muito na elaboração do melhor plano de treinamento e no nosso desenvolvimento individual. Assim como nas corridas, empreender não deve ser um esforço individual. Sua ideia pode ser a melhor possível, mas sem uma equipe conectada e engajada, tem grandes chances de nunca sair do papel. Ou de ser mal executada e morrer na largada. Busque sempre se cercar de pessoas boas, que sejam complementares e melhores do que você em diversos aspectos. Não tenha medo da concorrência com outros que possam fazer do seu projeto algo ainda maior e mais bem sucedido.

 

Competir consigo próprio. E não desistir.

Por fim, correr e empreender guardam mais uma grande semelhança. Grande parte da competição acaba sendo com nós mesmos. Não se importar com a posição de chegada, mas em completar a prova; não se incomodar em vencer os outros, mas em fazer o seu melhor tempo. Planejar o próximo desafio, as conquistas futuras, desengavetar planos e buscar novas ideias.

Inspirado em Murakami, um dos grandes escritores da atualidade e corredor de rua, também gostaria de ter na minha lápide: “Gustavo Meirelles: aquele que nunca desistiu”. Não se importe em ter sucesso, mas em tentar. Não se preocupe com o destino, mas com o caminho. Assim que começar, corra, empreenda, sempre que conseguir. Se não puder ser rápido, corra ou empreenda devagar. Sem andar; e sem nunca parar.

Charly Bancarel, de 93 anos, completou a maratona de Paris de 2023 em 7h22min. Ele foi o corredor mais velho entre os mais de 52.000 participantes da corrida. Começou a correr aos 55 anos e fez sua primeira maratona aos 70 anos. Assista ao vídeo da sua chegada.

Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles (www.gustavomeirelles.com) é médico radiologista, empreendedor em saúde e CEO da iDr- Inteligência Diagnóstica Remota. Foi vice-presidente e diretor médico da Alliar (2021-2023) e gestor médico de radiologia do Grupo Fleury (2009-2020). Tem pós-doutorado pelo Memorial Sloan-Kettering Cancer Center e doutorado pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.