Conexão Digital

Por que é tão difícil inovar em saúde?

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Na saúde, diferente de outros setores que já fizeram suas atualizações de modelos digitais e que desfrutam de tecnologia de ponta para construção de software e infraestrutura, inclusive no modelo SaaS (software como serviço), parece que seguimos em meio a um ciclo de debates tecnológicos e repetição de problemas. Ou seja, sem tantas inovações no sentido literal da palavra.

Quando olhamos para outras áreas de nossas vidas sobram exemplos disruptivos. No caso dos transportes, o Uber; na área de alimentação, o iFood; na logística e impactando outros setores, os aplicativos de entrega; além do segmento financeiro, que graças a tecnologia levou tudo o que era feito em agências bancárias para o celular e criou o revolucionário PIX.

Já em nosso setor, ainda patinamos em conseguir encontrar uma solução para problemas básicos, como um histórico de dados unificados e a digitalização da jornada do paciente. Na era em que resolvemos tudo na palma de nossas mãos, sem sair de casa, ainda é comum vermos por todos os cantos do Brasil, pacientes circularem com as famosas “sacolas”, levando seus exames físicos de uma lado para o outro.

Em alguns momentos vemos, sim, movimentações e temos a sensação do “agora vai”. Porém, a cada hype ou nova grande tecnologia do mercado – podemos incluir nessa lista a inteligência artificial, o metaverso, a realidade virtual e a própria chegada do 5G –, esperamos grandes revoluções no setor e depois de um tempo voltamos a falar dos problemas clássicos: integração de sistemas, interoperabilidade, prontuário centralizado, entre outros, que passaríamos alguns bons minutos listando.

As grandes empresas de tecnologia do mundo, como Google, Microsoft, Apple e IBM, conhecidas como “big techs”, responsáveis por conduzir a transformação digital em vários outros setores, por algumas vezes nos deixam mais esperançosos e lançaram iniciativas em saúde com holofotes e promessas que revolucionaram o setor de saúde.

Porém, na realidade, os resultados acabam sendo frustrantes, o mais recente e marcante, que impactou diretamente a área de medicina diagnóstica talvez tenha sido o IBM Watson. Após promessas de revolucionar o processo de diagnósticos, “substituir” o médico radiologista e automatizar o processo de análises clínicas, não vimos tantas coisas saírem do papel. Pelo contrário, inclusive, o projeto foi descontinuado em nosso setor por não apresentar por anos seguidos os resultados tão aguardados.

Mas por qual motivo isso tem acontecido? O que tem sido o fator desmotivador? Afinal, motivos para ver isso avançar não faltam.

Para quem atua diretamente com tecnologia na área de saúde, a dificuldade de alcançar resultados e inovar de maneira disruptiva não é nenhuma novidade. Mesmo no nosso atual cenário, ainda é mais comum do que imaginamos instituições não digitais, que apresentam falhas crassas ou não há comunicação, tanto entre sistemas e equipamentos e, como talvez o pior, entre as especialidades médicas.

É muito comum, por exemplo, o software de prontuário médico não interoperar com o sistema da clínica para requisição e agendamento de um exame. Ou seja, as informações dos diferentes exames de um mesmo paciente estão dispersas e para acessá-las é preciso conectar-se com diversos sistemas.

Outra dificuldade também já bastante familiar é com relação aos aspectos relacionados à privacidade de dados e à segurança da informação. Esse desconhecimento das especificidades é o que leva, muitas vezes, a políticas equivocadas de TI no modelo “on-premise”, que trazem a falsa impressão de maior segurança ao deixar toda a infraestrutura de software e hardware da instituição dentro de casa.

Por outro lado, não basta focar no que não está sendo feito, é preciso também ressaltar que existem grandes empresas movimentando-se para isso. Uma nova geração de tecnologia de software e hardware já estão disponíveis na nuvem, em plataformas cloud. Elas definitivamente colocam por terra o conceito de que manter a estrutura internamente é a melhor forma de estar protegido e alcançar alta disponibilidade.

É só considerar que a mesma tecnologia, utilizada no Google para dar suporte a bilhões de acessos ao Youtube, pode ser a base para organizar dados em saúde. A metodologia de Devops, que automatiza funções de backup, implementação de sistemas, gerenciamento de sistemas operacionais, entre outras iniciativas, também estão disponíveis, permitindo que as instituições e quem está à frente da área de tecnologia dediquem mais tempo em Dev, que significa o desenvolvimento de novas soluções; do que em OPS, ou seja, na operação e manutenção do que já existe.

Em meu ponto de vista, parece que as big techs já notaram as dificuldades de inovar em saúde e estão investindo cada vez mais em infraestrutura e tecnologia de base para organizar o setor. E, vale ressaltar que, boa parte desta modernização está relacionada à adoção de tecnologias cloud ao invés das clássicas no modelo on-premise.

Voltando o olhar novamente para a medicina diagnóstica para tornar isso mais palatável, atualmente, o protocolo DICOM, por exemplo, um padrão conhecido e específico da radiologia, já está disponível e implementado nas principais grandes cloud, como tal, Azure, AWS e Google Cloud. Basicamente, é possível comunicar um equipamento médico como um MRI diretamente (usando DICOM) com uma Cloud para o arquivamento de exames. Mas, não para por aí. Outros protocolos de healthcare também já podem ser acessados usando estes provedores. Genomics e HL7 fazem parte desta lista.

Ou seja, esse é de fato o momento de organizar a infraestrutura que serve de base para o funcionamento do setor e adotar tecnologias de software e organização de dados em saúde, tendo como vetor a tecnologia cloud. Isso porque, acredito que, somente com uma base sólida tecnológica, possamos superar os problemas clássicos do setor, e partir daí, investir e esperar por resultados mais significativos e disruptivos na adoção tecnológica em saúde.

José Eduardo Venson

CIO no Cura Grupo. Fundador da Iara Health. Especialista em transformação digital e inovação em saúde