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Sobre o presente e futuro da radiologia e dos radiologistas

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“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”
Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas.

Toda opinião é uma obra de ficção. E relativa, como explica Guimarães Rosa em “Grande Sertões: Veredas”: “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões…”. Neste artigo, diferente dos outros que escrevi para a revista da SPR, exponho minha opinião, portanto com lampejos de ficção, sobre o presente e o futuro da radiologia e do radiologista.

Comecemos pela radiologia: mais viva e necessária do que nunca. O número de solicitações de exames radiológicos só aumenta. O médico solicitante usa e abusa do arsenal radiológico para diagnosticar e acompanhar seus pacientes. Num sistema de saúde que preconiza o atendimento rápido, com o tempo para a consulta reduzido, médicos substituem a anamnese e exame físico por USGs, TCs e RMs. A academia e as comissões internacionais das diversas especialidades, por sua vez, chancelam e dão lugar de destaque aos exames radiológicos, desde protocolos preventivos, passando pelo diagnóstico e finalizando com o acompanhamento de centenas de doenças. Quer mais? A radiação por habitante relacionada aos exames só diminui,  resultado do avanço tecnológico e da melhoria dos protocolos técnicos. Para se ter uma ideia, segundo dados da ACR, o número de tomografias computadorizadas nos Estados Unidos aumentou 20% entre 2006 e 2016, enquanto a dose de radiação efetiva média por pessoa proveniente de tomografias computadorizadas diminuiu 6%. Em suma, vida longa à radiologia.

O abacaxi é falar sobre o presente e futuro do médico radiologista. Vejo radiologistas cambaleantes, as pernas ainda dormentes. Passaram muito tempo sentados em salas escuras, longe dos outros especialistas, pseudo-protegidos. Nos últimos 20 anos, houve uma desvalorização destes profissionais. Os salários estão baixos. Alguém pode até levantar a mão agora e dizer: Objection! O meu salário aumentou! Certo, você faz parte de uma minoria e, mesmo assim, é provável que tenha aumentado à custa muito mais exames laudados por você. Um radiologista com 10 anos no mercado sabe que seu salário não chegou nem perto de acompanhar a inflação. Ganha cerca de 40 reais por laudo, se não menos. Considerando a inflação do período, deveria estar ganhando em torno de 270 reais por exame. Esta desvalorização aconteceu e continuará acontecer por diversos motivos, uns nobres, alguns incontroláveis e outros relacionados ao próprio comportamento do radiologista.

Entre os nobres está a implementação máxima da telerradiologia, que aumenta o acesso dos pacientes aos radiologistas e quebra a barreira da distância outrora existente. Menor a barreira, menor o valor. A oferta de radiologistas, devido à telerradiologia, torna-se mais homogênea nas diversas regiões, reduzindo o valor do “ativo” radiologista.

Entre os incontroláveis está a precificação do mercado sobre o valor futuro dos radiologistas, considerando o seu papel com o avanço da  inteligência artificial. O mercado precifica o valor futuro de um ativo e ajusta o preço do valor presente — pura matemática. Por exemplo, se a saca de feijão custa 200 reais hoje e uma nova tecnologia promete reduzir drasticamente o custo de produção, o preço da saca despenca. Agora, imagine se estão falando por aí que o radiologista será substituído por uma ferramenta de inteligência artificial e em breve será dispensável. O resultado: Todos pagam menos pelo trabalho do radiologista hoje, mesmo sem a certeza dos impactos da inteligência artificial no futuro. Pensemos! Para uma grande parte dos pagadores esta história é bastante interessante (e lucrativa).

Chego agora aos motivos que fazem e continuarão fazendo o radiologista se desvalorizar, ele mesmo, relacionados ao comportamento profissional. Aqui, mudo minha forma de escrever. Ao invés de citar o que está errado, vou destacar o que, na minha visão, pode ser mudado:

  1. Não termine o seu laudo com: “Correlacionar com dados clínicos”. Lembre-se de que somos médicos antes mesmo de radiologistas. Quanto mais decisões e diagnósticos você deixar para os outros, menos essencial se torna na tomada de decisão. Isso diminui o seu valor no processo de cuidado.
  2. Evite jargões técnicos como hipodensidade, hipersinal e ecogênico nas conclusões dos seus relatórios. Estes termos transformam os relatórios em “pasteis com muita massa e pouco recheio.” Prefira concluir os relatórios com informações que sejam significativas para o paciente e o médico solicitante.
  3. Engaje-se na jornada do paciente. Seja um recurso ativo tanto para o clínico quanto para o paciente. Ofereça sua expertise para facilitar a jornada de cuidados, colaborando de maneira proativa. Oriente, sugira, faça.
  4. Desenvolva a ressonância afetiva com o médico solicitante. Integre-se mais profundamente no tratamento e nas decisões clínicas. Telefone para o médico solicitante, converse, ajude a resolver o problema. Este envolvimento não apenas enriquece o processo terapêutico, mas também reforça a importância do seu papel no sistema de saúde.

Novamente: Toda opinião é uma obra de ficção. A minha, sobre o futuro do radiologista, é a de que se continuarmos da mesma maneira, agonizaremos desesperados, brigando por pilhas maiores de exames sem vida – sacas de feijão – distantes da medicina e dos pacientes. Há, contudo, um adendo com final feliz. O radiologista reposicionado, personagem principal no diagnóstico e tratamento dos pacientes. A especialidade e o especialista no lugar onde merecem. Vida longa ao radiologista!

Fabrício Próspero Machado

Radiologista Formado Pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestrado em Administração pela FGV. MBA pela University of Miami (UM). Diretor do HealthDataLab na Prevent Senior.