Arte e Medicina

A loucura nos artistas: o caso de Richard Dadd

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“The Fairy Woodcutter’s Master Stroke” (O Golpe Mestre do Lenhador das Fadas)

A loucura dos artistas visuais sempre deixou rastros de maior ou menor intensidade em sua produção. Às vezes, um determinado tema se torna obsessivo e, nos casos mais graves, as imagens se fragmentam até se tornarem incompreensíveis para o observador. Mas outras vezes é difícil identificar sinais de uma mente doente.

Este último é o caso de Richard Dadd (1817-1886), um dos mais famosos “lunáticos vitorianos” entre os internados no famoso Hospital Bethlem, em Londres, o primeiro hospital psiquiátrico conhecido na Europa, que, durante muito tempo, se caracterizou pela crueldade com que os pacientes eram tratados.

Richard Dadd nasceu em uma família respeitável em 1º de agosto de 1817, em Chatham, Kent. Ele foi o quarto de sete filhos, quatro dos quais morreriam de insanidade. Desde jovem demonstrou uma notável habilidade para o desenho, o que o levou a ser admitido na Royal Academy of Arts de Londres.

Leitor ávido de Shakespeare e teosofia, sua pintura é inspirada pela fantasia e pelos sonhos, retratando personagens como fadas e duendes com um senso de detalhes e cores altamente desenvolvido.

Em 1944, Dadd foi internado no Asilo Estadual de Lunáticos Criminais, parte do Hospital Bethlehem ou Bedlem, após assassinar seu pai. Anteriormente, em uma viagem à Europa e ao Oriente Próximo, ele sofreu um estranho ataque no Cairo, Egito, após uma terrível insolação que afetou sua psique, dizem algumas fontes, ou por usar ópio em um narguilé por cinco dias e noites sem parar, citam outras.

Seu pai o acolheu em casa e, durante uma caminhada pelo campo, o assassinou, o desmembrou e fugiu. Ele foi pego em Fontainebleau, França, após atacar um estranho em um vagão de trem, tentando cortar sua garganta. Entre seus pertences, foi encontrada uma longa lista de pessoas que ele deveria matar, pois eram emissários do mal. O primeiro era o do pai e, entre outros nomes ,estava o do Papa. Richard Dadd afirmou que o deus egípcio Osíris o escolheu para ser seu instrumento.

Ele ficou preso por 42 anos e, atrás das grades, criou grande parte de sua obra. Uma delas é uma de suas pinturas mais famosas, intitulada “The Fairy Woodcutter’s Master Stroke” (O Golpe Mestre do Lenhador das Fadas), que hoje se encontra na Tate Gallery, em Londres. Embora tenha sido feito em uma tela pequena, a quantidade e a qualidade dos detalhes revelam o trabalho de um gênio. Todas as figuras estão sob um feitiço mágico, do qual podem ser libertadas quebrando uma noz com um machado. Em primeiro plano, o lenhador é visto trabalhando, enquanto uma série de figuras observam, espionam e comentam, esperando sua vez.

O escritor mexicano Octavio Paz sustentou que na obra “as obsessões de Dadd são claramente visíveis e assumem duas formas. São realistas: muitos dos rostos são fisionomias de seus companheiros, médicos e carcereiros; por outro lado, são personagens oníricos; é um conto de fadas. Isso é muito estranho. Esta pintura está repleta de pequenas figuras estranhas: em cada folha, em cada pedra, há um rosto que espia, ameaçador; e há uma série de monstros com olhos curiosos e cruéis… Além disso, temos o machado do lenhador que quer partir a noz: possivelmente um retrato do próprio Dadd. Ocorreu-me que, talvez, se o machado tivesse caído, a avelã se partiria em duas; com isso, a maldição, o encantamento sobre Dadd, teria desaparecido. Sua loucura teria desaparecido, ou pelo menos ele teria recuperado a liberdade. Mas isso não acontece: o machado nunca cai.”

Outra referência à obra pode ser encontrada na canção homônima que a banda britânica Queen dedicou a ela. Em uma entrevista, seu líder, o falecido Freddie Mercury, afirmou que era obcecado tanto pela pintura, quanto pela vida de Dadd.

Dadd era ainda mais obcecado por essa obra do que Mercury: era, sem dúvida, a grande paixão de toda a sua produção artística, já que levou quase 10 anos para pintá-la. Mas ele nunca terminou. Quando ele foi transferido para o asilo Broadmoor, ele teve que deixar a maioria de suas obras para trás e deu esta a uma de suas enfermeiras. Richard Dadd viveu por mais 21 anos entre quatro paredes em sua nova acomodação, até que em 8 de janeiro de 1886, o machado finalmente caiu.

Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi

Professor Titular de Diagnóstico por Imagem, Universidade de Buenos Aires
Membro Honorário Internacional da Sociedade Paulista de Radiologia

O autor é editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina”