Arte e Medicina

A artrose na arte

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Figura 1 – “Retrato de um ancião”

A artrite e a artrose, termos que designam um conjunto de afecções articulares inflamatórias e degenerativas, representam muito mais do que entidades clínicas. Ao longo da história, essas doenças deixaram suas marcas nos corpos e nas biografias, mas também na arte. Se o corpo humano tem sido um dos grandes temas da representação artística, o corpo doente, limitado, envelhecido ou em sofrimento, não tem sido menos expressivo.

Desde as primeiras representações humanas, na arte antiga até os retratos modernos de artistas que enfrentaram suas próprias limitações físicas, a presença de deformidades articulares — explícitas ou simbólicas — permite não apenas rastrear sinais de doença, mas também compreender a forma como o sofrimento corporal foi percebido, interpretado e ressignificado culturalmente.

As concepções sobre as doenças articulares variaram não apenas de acordo com o conhecimento médico, mas também com o contexto cultural. Em épocas em que a dor física era interpretada como castigo divino, sinal de redenção ou expressão de santidade, essas doenças podiam adquirir significados morais ou espirituais. Assim o demonstram inúmeras representações religiosas na Idade Média e no Renascimento, nas quais as deformidades nas mãos ou nos pés eram exibidas sem intenção médica, mas com forte carga simbólica.

Em tempos mais recentes, o avanço da reumatologia como especialidade e o desenvolvimento de ferramentas diagnósticas (como a radiologia e a ressonância magnética) permitiram um melhor conhecimento da fisiopatologia dessas doenças. No entanto, a arte continua sendo uma fonte insubstituível para explorar como a doença foi vivida — e como foi vista — ao longo do tempo.

Figura 2

Do Renascimento até bem avançado o século XIX, os artistas e seu público esperavam que as obras de arte tivessem, em geral, uma aparência realista, embora quase sempre houvesse alguma distorção da figura humana como resultado dos estilos e do nível de habilidade individual dos artistas. Ainda assim, a norma, especialmente nos retratos, era que a figura parecesse, ao menos, representada de forma realista. Em um retrato, a representação precisa das mãos do retratado era especialmente importante, pois elas eram consideradas tão expressivas quanto o rosto na transmissão do caráter do sujeito.

O “Retrato de um ancião” (Figura 1), datado de cerca de 1600, de Jacopo Palma, o Jovem (1548–1628), se encontra atualmente na Galeria Nacional de Vitória. Palma, o Jovem, foi um artista de destaque em sua cidade natal, Veneza, e compartilhava uma afinidade familiar pela pintura com seu tio-avô, Palma, o Velho (c. 1480–1528), e seu pai, Antonio Negretti (1510/1515–1575/1585), ambos também artistas.

O personagem do retrato de Palma, com seu rosto barbudo e imponente, aparece pensativo, talvez com dor. A pintura o retrata com as articulações interfalângicas proximais inchadas e flexionadas (Figura 2). Essas características sugerem artrose. Embora a identidade da pessoa retratada nesta pintura seja desconhecida, Palma destacou habilmente cada uma das mãos sobre um fundo escuro, de forma que se sobressaem ao olhar do espectador e complementam a expressão facial, criando uma impressão geral de dignidade na velhice, apesar da doença.

Prof. Dr. Alfredo E. Buzzi

Professor Titular de Diagnóstico por Imagem, Universidade de Buenos Aires
Membro Honorário Internacional da Sociedade Paulista de Radiologia

O autor é editor da Revista “ALMA- Cultura y medicina”