Food&Arts
Polvo com batata

Ocyá

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Apaixonado que sou pelo Rio de Janeiro, por bastante tempo mantive o hábito (e programei minha rotina para tal) de passar um bom número de finais de semana lá ao longo do ano, idealmente um por mês. Ao longo de todos esses anos, os nomes das ruas, a geografia, os restaurantes e os botecos foram-se tornando mais e mais familiares para mim; desloco-me com facilidade com os mapas que fui construindo e gravando na cabeça. A pandemia criou um hiato de dois anos nesta rotina, que felizmente retomei agora em 2023, com passagens antecipadamente compradas para praticamente todos os meses.

Taco de milho crioulo

Amo o sotaque, o clima, a vibe, o ar, o cheiro da praia, as calçadas, os edifícios da zona sul, as pessoas sem camisa (ou mesmo andando sem cerimônias de sunga pelo miolo do Leblon). Considero um verdadeiro privilégio que o Rio (ou Ryl, como chamo) esteja a duas piscadas e uma ponte aérea de distância de São Paulo, sendo ainda assim praticamente um outro universo, mais solar, mais descontraído, mais leve. Chamo o Ryl de meu refúgio e alegria, verdadeiro capricho de um brasileiríssimo Deus, cidade de pura graça e poesia. Ao longo do tempo conheci praticamente todos os hotéis cinco estrelas da cidade e já me deitei por todas as praias. A beleza da geografia instantes antes de o avião pousar no Santos Dumont para mim é arrebatadora e excitante. Quando chego no fim da tarde de sexta, faço o trajeto até a zona sul animado e expectante com a noite que promete, com a caipirinha que vou tomar na piscina do hotel, o novo lugar onde vou jantar (enquanto as mil barraquinhas da praia vão deslizando pela janela). Se chego no sábado de manhã bem cedinho, vou-me deliciando com o azul do céu, o azul da Lagoa, o azul da praia; em poucos minutos, estou de bermuda e sandália a andar pelas calçadas de Ipanema, pronto para entrar numa padaria, tomar um café, um suco, comer um pão…

Aos domingos de manhã, estatelo-me na praia e fico tomando sol vendo moleques despreocupadamente jogando bola ao longe e, por um momento, o mundo parece um lugar quase simples; no fone de ouvido ouço muita coisa, de Vivaldi a Cartola, mas ultimamente têm prevalecido os sambas, sobretudo os da Mangueira, minha favorita.

Placa de reserva

Como sou o tempo inteiro ligado em notícias e novidades gastronômicas, o hiato involuntário fez com que minha lista de novos restaurantes a conhecer no Ryl ficasse quilométrica (fora os que amo e quero sempre revisitar). E agora comecei a resolver isso. Neste último fim de semana, conheci uma nova padaria (ovos beneditinos maravilhosos), almocei no Padella, jantei no Sud e no domingo conheci o novo Ocyá, no Leblon. O restaurante, do chef Gerônimo Athuel, focado em frutos do mar de altíssimo nível, já possuía uma unidade na Ilha Primeira, na Barra da Tijuca (demandando certo planejamento para se visitar, pois só se chega de barco); e agora chega finalmente ao Leblon, na Aristides Espinola. O ambiente é super charmoso, contando, inclusive, com um bom número de mesas externas, na calçada. A minha, com reserva, foi interna, no ar condicionado (o rigoroso inverno carioca registrou 26 graus no dia), contemplando a cozinha e o bar, o que prefiro. Uma plaquinha com meu nome e horário da reserva esperava-me na mesa, o que achei charmoso e criativo.

A ideia do lugar, como muito em voga no mundo todo, é aproveitar as riquezas dos produtos locais, no caso, o litoral fluminense, com a pescaria que acontece na costa. O foco é o preparo na brasa, maturação e aproveitamento de uma ampla variedade de peixes, sempre frescos (chegam ao restaurante sempre no mesmo dia em que são pescados, e lá podem passar por diferentes estágios de maturação).

Pastel de camarão

Há várias entradinhas que são um verdadeiro convite para ir beliscando a dois, sem medo de ser feliz. Abrimos os trabalhos com um delicioso pastel de camarão com duo de aioli, crocantíssimo e recheio na temperatura certa; na sequência, um taco de milho crioulo, camarão caramelizado no missô, catupiry defumado e vegetais fermentados, de lamber os beiços; por fim, um criativo choripán de linguiça de peixe defumada, queijo meia cura, maionese de chimichurri e cebola agridoce, de emocionar qualquer argentino conservador. O menu principal foi um polvo com maciez de outro planeta e cozido à perfeição, em um ponto em que há muito tempo não comia; simplesmente irretocável. Vem acompanhado de sour cream e batatinhas com maionese de sriracha. Belíssima refeição. Na sobremesa, dividimos um picolé de coco queimado com chocolate branco, também muito bom. Há uma boa carta de vinhos, e, para quem quiser ficar nos drinks (todos com nomes fazendo trocadilhos e alusões ao mar), há algumas opções bastante interessantes em cima de bourbon, rum, etc. É maravilhoso constatar que o Ryl (em algumas bolhas, claro) esteja vivendo um momento gastronômico cada vez mais efervescente, renovador, focado na qualidade. Combinar boa mesa e lindas praias dá sempre um lindo samba.

Picolé de coco queimado com chocolate branco

Como sou guloso e estava a menos de cem metros da Momo Gelateria, uma das minhas favoritas, ainda emendei mais um sorvete de casquinha (recheado com chocolate, por óbvio). Era tarde de domingo, era calmaria, era Rio, era Leblon, era animação, as famílias almoçando nas calçadas, as árvores verdes davam sua sombra. Vontade de que isso perdurasse e perdurasse e perdurasse. Mas as segundas vêm a galope e o fim de domingo no Santos Dumont me aguardava. Não tem problema. Mês que vem estarei lá de novo. E o voo da volta é apenas na segunda de manhã. Terei um jantar a mais, uma noite a mais. Para o otimista, tudo é motivo de comemoração.