JPR 2024
Fotos de Gabriela Gonçalves

Encontro Latino-Americano de IA em Saúde debate desafios e oportunidades

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O 3º Encontro Latino-Americano de IA em Saúde, que ocorreu neste sábado (4), na JPR 2024, reuniu um time de especialistas brasileiros e estrangeiros para debater pontos relevantes e complexos sobre a inteligência artificial na Radiologia. Os palestrantes discutiram sobre como a inteligência artificial é uma ferramenta poderosa, mas recheada de limitações e desafios. Eles trouxeram teorias, com artigos científicos, e casos de aplicações práticas.

O uso do ChatGPT, uma das ferramentas de IA mais conhecidas atualmente, foi tema de quase todas as aulas do Encontro. Na Radiologia, o uso desta plataforma está conectada com a produção e formatação de laudos, geração de impressões, produção de resumos, além da parte educacional relevante, conforme destacou o professor de Radiologia Clínica do Weill Cornell Medical College, nos Estados Unidos, Dr. George Shih.

Dr. George Shih

O palestrante destacou como o ChatGPT é uma ferramenta é um “modelo geral”, não específica para a medicina. Então, funciona bem para “perguntas médicas incidentais”, explicou.

Apesar disso, a performance do ChatGPT 4.0 tem chamado atenção por performar melhor que os humanos, conforme disse em sua apresentação o diretor associado de Informações Clínicas na Universidade de Ohio State Wexner Medical Center, EUA, o Dr. Luciano Prevedello. “Para se ter ideia, o chat passou em todos os exames americanos de validação médica. Ele tem performance melhor que um estudante de medicina em extrair informações”, contou.

Dr. George Shih complementou que o ChatGPT 4.0 tem  os melhores recursos, capaz de entender conteúdos mais complexos. “E em Medicina, por exemplo, você pode incluir todo prontuário e fazer perguntas. Isso é muito relevante”.

Além disso, a ferramenta é “muito inteligente e tende a localizar as respostas especificamente para você. E, neste caso, você tem a tendência a acreditar mais. E, por isso, há uma tendência de persuasão muito maior, cada vez maior”. Segundo ele, pode ser preocupante também: “Não podemos consumir a inteligência artificial como se fosse o rei ou a rainha. Primeiro você precisa ser especialista e temos que utilizar como uma ferramenta que vai ajudar”.

Por isso, o palestrante afirma que “tudo está na forma que você lida com a inteligência artificial. Se usar como professor, poderá te causar problemas, se usar como aprendizes, você terá sucesso”, reflete o Dr. Prevedello.

 

Melhor acurácia e olhar atento ao paciente 

Outro ponto positivo da IA discutido pelo radiologista e professor do Hospital Universitário da Universidad Autonoma de Nuevo Leon em Monterrey, no México, Dr. Guillermo Elizondo Riojas, é que os algoritmos ajudam a dar resultados com mais acurácia. Isso porque ajudam a encontrar “achados críticos e reduzir erros”.

Dr. Guillermo Elizondo Riojas

Ademais, além de terem um tempo de leitura menor que dos humanos, o ChatGPT 4.0 tem a mesma porcentagem de erros de radiologistas humanos e pode mostrar onde estão esses erros também. Para o especialista, é possível aprender “com esses modelos de linguagem e as formas como estão classificando [os dados]”, finaliza.

O palestrante destacou também a importância de ter um olhar atento ao paciente. De acordo com Dr. Riojas, hoje, na prática clínica, é desafiador para os profissionais terem condições de escreverem um laudo customizado, com conteúdo amigável e compreensível ao paciente. Nesse sentido, é possível também contar com a ajuda do ChatGPT para  melhorar a qualidade de produção desses materiais, destacou o Dr. Riojas.

“Quando você melhora a qualidade, há alto índice de satisfação dos pacientes e, consequentemente, eles entendem melhor e se engajam mais nos tratamentos. Temos que olhar para eles e ter esse tipo de conexão”, finaliza.

 

Limitações, vieses e falta de acesso

Apesar dos pontos positivos, os professores chamaram atenção para as limitações significativas, a generalização dos achados e o potencial de causar viés da IA atualmente.

Em uma de suas apresentações, Dr. George Shih chamou bastante atenção dos participantes para a “parcialidade dos dados na radiologia”. De acordo com o palestrante, a “Big Data é injusta”. Ele comentou, inclusive, como os bancos de dados estão contaminados com conteúdos de cunho sexista e racista, por exemplo.

Segundo ele, um dos pontos negativos é que a restrição de acesso a banco de dados torna inviável a retirada desse tipo de conteúdo ou mesmo “ter a chance de acrescentar conteúdos neutros”.

Outro desafio é incluir dados de populações minoritárias para que os bancos sejam mais igualitários. “A IA não é parcial, por default”, finaliza Dr. Shih.

Em sua aula, o professor livre-docente do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP, Dr. Edson Amaro Jr., trouxe dados que mostram as desigualdades dos bancos. Hoje, 85% dos dados são de pessoas brancas, enquanto o volume dessas pessoas na Terra é de 17%, mostrou o professor.

“Há uma super-representação na raça branca.” Por isso, ele faz um alerta para a necessidade de divisão de dados pela comunidade. “Hoje, há três limites para essa divisão: administrativos, ou seja, financeiro; político; e ético”. De acordo com Dr. Amaro Jr., a Radiologia já mudou e precisa ser integrada, ou seja, há necessidade de se trabalhar com IA. “E está em jogo a nossa capacidade de reduzir lacunas sociais.”

A falta de equidade de acesso à saúde no Brasil também reflete na falta de dados de populações minoritárias, prejudicando a análise. O neurorradiologista do Hospital Albert Einsten e coordenador do Grupo de Estudos de Imagem do grupo, Dr. Felipe Barjud Pereira do Nascimento, chamou atenção ao tema junto aos participantes.

“As populações minoritárias são pouco representadas e não sei se elas serão. São pessoas que não têm acesso à saúde, então, sempre estão sub-representadas nos bancos de dados. Esse tipo de viés, não sei como vamos resolver e nem sei se vamos resolver um dia”, questionou.

 

Implementação de IA na prática

Além das discussões teóricas, os participantes também tiveram oportunidade de ver casos práticos de implementação de ferramentas de IA em hospitais de referência, tanto no Brasil, como no exterior.

Dr. Nascimento apresentou detalhes como foi feita a incorporação de ferramenta de IA para análise de radiografia de tórax no pronto-atendimento do Hospital Albert Einsten, em São Paulo. Ele trouxe detalhes do passo a passo, desde a avaliação de plataformas disponíveis no mercado até a implementação final com os usuários.

Dra. Martina Aineseder

São vários os desafios. Mas segundo Dr. Nascimento, a principal dificuldade é provar qual será o retorno dessa implementação à instituição. “O que é difícil é identificar como esse investimento trará o retorno esperado. É preciso medir na prática e demonstrar para o corpo diretivo como esse resultado está sendo entregue para não só agregar custo e impacto negativo no resultado”, explicou.

No mesmo sentido, a radiologista-chefe no programa de IA em Saúde do Hospital Italiano de Buenos Aires, Argentina, Dra. Martina Aineseder, contou também a sua experiência e desafios na implementação de uma equipe de IA dentro do Hospital Italiano de Buenos Aires. “Tivemos muitos fracassos e sucessos até chegar onde estamos hoje.”

 

O futuro da IA para Radiologia

Dr. Josep Munuera del Cerro

O professor Shih fez um convite a todos dizendo que é possível criar um modelo de ChatGPT ainda melhor voltado à Radiologia: “Se queremos construir um modelo de linguagem para Radiologia, precisamos incorporar informações como, por exemplo, conteúdos de nossas revistas. Depois, fazer uma sintonia fina para treinar esse conteúdo. E ofertar as respostas ao usuário no contexto certo”.

O diretor científico da Sociedade Espanhola de Radiologia, Dr. Josep Munuera del Cerro, chamou a atenção dos profissionais para um pensamento holístico da Radiologia. Quando se trata da implantação da IA, também é necessário avaliar a sustentabilidade, comentou.

“Tanto o ChatGPT como outros modelos de linguagem têm impacto muito forte no cenário clínico e na emissão de carbono.” Desta forma, seria mais interessante fazer as perguntas certas para as necessidades “em vez de investirmos em projetos pilotos de diferentes coisas, pois temos gastos de CO2 muito grande”, refletiu.

Quando se incluem novas tecnologias, como a IA na radiologia, muda-se a forma de se trabalhar, conforme chamou atenção em sua aula o coordenador médico TI e Imagens do Hospital Sírio-Libanês, Dr. Felipe Veiga Rodrigues. Por isso, “tudo tem que ser feito de forma reflexiva”. E afirma que os profissionais devem “trabalhar não onde a bola está, mas onde ela estará”. Usar a tecnologia no momento certo e saber onde e quando usar também é o que vai nos ajudar”, finaliza.

Dr. Felipe Veiga Rodrigues