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Ressonância magnética em gestantes: quais as recomendações atuais?

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Radiologistas frequentemente deparam-se com alguns dilemas durante a rotina de trabalho, principalmente quando envolve a segurança do paciente. Essa preocupação pode ainda ser ampliada quando estamos falando sobre gestantes, uma vez que a segurança dessa paciente deve ser estendida também ao feto. Nesse texto abordaremos uma revisão atualizada das evidências científicas disponíveis sobre o tema, permitindo que os radiologistas e os serviços de imagem fiquem mais familiarizados com o assunto e tomem as condutas mais pertinentes nesses casos.

Segurança da ressonância magnética

Apesar da ressonância magnética (RM) não utilizar radiação ionizante para adquirir as imagens e ser considerado um método seguro, algumas preocupações e riscos podem ser reportados com esse método de imagem, dentre eles os relacionados ao seu campo magnético estático, aos pulsos de radiofrequência e ao nível de ruído1,2.

O campo magnético já foi reportado como capaz de interagir a nível celular em estudos in vitro com células-tronco, podendo alterar a migração, diferenciação e proliferação celular3. Entretanto, essa associação não foi bem estudada in vivo, uma vez que é difícil de ser avaliada em humanos1.

Exposição aos pulsos de radiofrequência estão associados a um maior risco de depósito de energia e consequente aquecimento tecidual1,2,4,5. Preocupações são ainda maiores em gestantes, uma vez que o aumento da temperatura tecidual em embriões e fetos já foram associados a efeito teratogênico e anomalias congênitas em fetos de modelos animais1,4,5. Infelizmente, na prática, não há como ter uma medida exata da temperatura corporal fetal. Uma forma de estimar é através da taxa de absorção específica da radiofrequência (SAR) materna1,2. Apesar do depósito de energia e aquecimento ser maior na superfície materna, alguns modelos já demonstraram que a SAR fetal pode variar cerca de 40-70% do valor da SAR materna5. Mesmo que os efeitos teratogênicos e/ou anormalidades perinatais não sejam confirmados em estudos em humanos, é conveniente que, para exames de gestantes, a SAR respeite o modo de operação normal da RM (limite SAR de corpo inteiro ≤ 2 W/kg), o que limita a elevação da temperatura corpórea até 0,5oC e consequentemente diminui a chance de aquecimento tecidual do feto1.

Por último, outra possível preocupação relacionada é o nível de ruído produzido pela RM, o que poderia determinar um efeito teórico de dano nas células ciliares do ouvido ou mesmo dano no desenvolvimento do aparelho auditivo do feto. Entretanto, não existem estudos em humanos que comprovem esse risco teórico em aparelhos de RM com campo magnético ≤ 3 Tesla, lembrando que os estudos são mais escassos no primeiro trimestre de gestação1,4.

Apesar de todas as preocupações e potenciais riscos da RM reportados em modelos animais/in vitro, não existem estudos que confirmaram os possíveis efeitos teratogênicos e/ou malformativos em humanos1,4,6,7. Entretanto, é importante mencionarmos algumas limitações relacionadas aos estudos de RM em gestantes: 1. maioria com desenho retrospectivo; 2. geralmente não tem dados de seguimento pós-natal à longo prazo; 3. poucos estudos com aparelho de 3 Tesla; 4. estudos escassos no primeiro trimestre.

Segurança do meio de contraste à base de gadolínio

O uso de meios de contraste à base de gadolínio em gestante gera uma preocupação em relação ao feto, pois esse meio de contraste é capaz de atravessar a barreira placentária, sendo incerto por quanto tempo ele pode ficar na circulação fetal1,7,8. Riscos como eventual retenção tecidual de gadolínio ou mesmo de fibrose sistêmica nefrogênica são as maiores preocupações relacionadas ao tema. Entretanto, são riscos teóricos e não há estudos em humanos que comprovem esses riscos em fetos expostos ao meio de contraste durante a gestação1.

Apesar de alguns estudos com amostra pequena não demonstrarem nenhum efeito adverso após exposição fetal ao meio de contraste à base de gadolínio9,10, em 2016 foi publicado um estudo retrospectivo com maior amostra (n=397) que demonstrou um maior risco de morte perinatal e de doenças inflamatórias, reumatológicas e doenças cutâneas infiltrativas em fetos expostos ao meio de contraste quando comparado a recém-nascidos não submetidos a RM6. Vale ressaltar que esse estudo apresenta diversas limitações e os seus resultados ainda não foram independentemente confirmados por outros estudos. Mesmo com essas ressalvas, a população fetal sempre requer um cuidado e preocupação maior.

Recomendações das diretrizes

Atualmente não há nenhuma diretriz que declara que a RM é um método de imagem sem risco absoluto7. Elas afirmam que não há estudos em humanos que comprovem as preocupações teóricas da RM no feto, porém fazem a ressalva que há escassez de estudos longitudinais e prospectivos em gestantes1,7. De modo geral, a maioria das diretrizes afirma que não há risco conhecido ao feto relacionado à RM em um campo magnético ≤ 3 Tesla, porém a realização desse exame não deve ser banalizada, sendo conveniente sempre avaliar caso a caso1,8,11. A RM deve ser realizada de forma prudente em gestantes11, sendo adequado ponderar alguns pontos antes da realização desse exame como, por exemplo, avaliar se a RM é realmente necessária durante o período da gravidez e se pode ser postergada, e/ou se há outro método de imagem em ela que possa ser substituída, como a ultrassonografia, por exemplo2,7.

Em relação ao uso de meio de contraste à base de gadolínio, as diretrizes recomendam evitar o seu uso em pacientes gestantes. A decisão de injetar o meio de contraste à base de gadolínio na gestante dever ser feita em casos excepcionais quando o benefício clínico do seu uso for realmente significativo e se superar os potenciais riscos envolvidos, devendo ser discutido com a equipe médica e com a gestante1,5,9,10.

Um resumo das recomendações relacionadas a estudos de RM está listado no quadro 1.

 

Quadro 1. Recomendações quanto a realização de ressonância magnética, uso de meio de contraste à base de gadolínio, medicações
para redução da movimentação fetal e exposição ocupacional à RM em gestantes (adaptado de Maralani e cols1)

 

Referências bibliográficas

  1. Jabehdar Maralani, Pejman, et al. “Canadian Association of Radiologists recommendations for the safe use of MRI during pregnancy.” Canadian Association of Radiologists Journal 73.1 (2022): 56-67.
  2. Mervak, Benjamin M., et al. “MRI in pregnancy: Indications and practical considerations.” Journal of Magnetic Resonance Imaging 49.3 (2019): 621-631.
  3. Marycz, Krzysztof, Katarzyna Kornicka, and M. Röcken. “Static magnetic field (SMF) as a regulator of stem cell fate–new perspectives in regenerative medicine arising from an underestimated tool.” Stem Cell Reviews and Reports 14.6 (2018): 785-792.
  4. Ziskin, Marvin C., and Joseph Morrissey. “Thermal thresholds for teratogenicity, reproduction, and development.” International Journal of Hyperthermia 27.4 (2011): 374-387.
  5. Hand, J. W., et al. “Prediction of specific absorption rate in mother and fetus associated with MRI examinations during pregnancy.” Magnetic Resonance in Medicine: An Official Journal of the International Society for Magnetic Resonance in Medicine 55.4 (2006): 883-893.
  6. Ray JG, Vermeulen MJ, Bharatha A, Montanera WJ, Park AL. Association Between MRI Exposure During Pregnancy and Fetal and Childhood Outcomes. Jama 2016;316:952-61.
  7. Lum, Mark, and A. John Tsiouris. “MRI safety considerations during pregnancy.” Clinical imaging 62 (2020): 69-75.
  8. American College of Radiology. “ACR manual on contrast media, 2022. ”https://www.acr.org/-/media/ACR/Files/Clinical-Resources/Contrast_Media.pdf”.
  9. De Santis M, Straface G, Cavaliere AF, Carducci B, Caruso A. Gadolinium periconceptional exposure: pregnancy and neonatal outcome. Acta obstetricia et gynecologica Scandinavica 2007;86:99-101.
  10. Spencer JA, Tomlinson AJ, Weston MJ, Lloyd SN. Early report: comparison of breath-hold MR excretory urography, Doppler ultrasound and isotope renography in evaluation of symptomatic hydronephrosis in pregnancy. Clinical radiology 2000;55:446-53.
  11. American College of Obstetricians and Gynecologists. “Guidelines for diagnostic imaging during pregnancy and lactation. Committee Opinion No. 723.” Obstet Gynecol 130.4 (2017): e210ee216.
  12. ESUR Contrast Media Safety Committee guidelines, 2018: https://www.esur.org/wp-content/uploads/2022/03/ESUR-Guidelines-10_0-Final-Version.pdf

 


 

Revisão: Integrantes do GEMCR

Autor

Bruna Garbugio Dutra

Dra. Bruna Garbugio Dutra é Médica neuroradiologista da Santa Casa de São Paulo, do Grupo Fleury e UDI-Teresina. Integrante do Grupo de Estudos de Meios de Contraste Rdiológicos da SPR (GEMCR).