O módulo do “Panorama da Mama no Brasil e Como podemos intervir” foi moderado pela integrante da Comissão de Controle de Qualidade em mamografia da CBR, Dra. Marcela Brisighelli Schaefer, e teve como objetivo traçar um mapa do câncer de mama hoje, além de pensar em soluções para um cenário nem tão promissor.
Dr. Ruffo de Freitas Junior, do CORA e pesquisador do Hospital Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás, iniciou sua fala sobre o panorama do câncer no Brasil dizendo que gostaria de falar de coisas boas, mas “não era a realidade que ele trazia”.
A principal realidade brasileira é o fato de ter duas possibilidades, ou seja, a guia do Ministério da Saúde e a guia das três Sociedades de especialidades que se uniram para criar as recomendações: CBR, Febrasgo e SBM. Ou seja, na prática, na esfera pública a determinação é a do rastreio bienal a partir dos 50 anos e na esfera privada, que, em sua maioria, mas não na totalidade, adota a recomendação das Sociedades: rastreio a partir dos 40 anos, anual.
Estudos mostrados pelo Dr. Ruffo demonstraram que a inclusão de tomossíntese no rastreio, por exemplo – uma das recomendações das Sociedades –, apresentava uma economia de R$ 7 mil por paciente rastreada, com enorme impacto na redução da mortalidade.
“Mas temos coisas muito boas no país, como cirurgiões maravilhosos. Médicos de outros países vêm para cá aprender reconstrução. E a radioterapia intraoperatória também nos coloca em destaque”, revela Dr. Ruffo. O médico menciona inclusive o quanto a reconstrução melhorou também no âmbito do SUS, tendo a maior parte das pacientes com mamas reconstruídas. “E centros de pesquisa que permitem que pacientes no SUS acessem novas drogas”, conclui.
Em contraposição, enquanto em vários países a mortalidade reduziu, no Brasil, está estagnada na maioria dos Estados, com São Paulo sendo o único Estado com redução de na mortalidade e com aumento em média de 4% na mortalidade em grande parte do país. “Estamos errando na falta de acesso”, segundo Dr. Ruffo.
A taxa de rastreio no SUS não só não aumentou, como apresenta uma tendência à queda, que piorou com a pandemia. Isso revela, segundo o médico, que o Outubro Rosa funciona, na medida em que neste mês há as melhores taxas.
Mas quando se refere às taxas de estadiamento dos tumores em estágio III e IV, antes da pandemia eram de 52% e caíram para 36%, com 59% dos casos entre 40 e 49 anos. “A cada 10 goianas, oito se encontram no estadio III ou IV”, lamenta o médico, que atua no Estado. Mas quais fatores determinam esse diagnóstico tardio? “Quanto mais ginecologistas na região, menor o risco de diagnóstico de pacientes mais tarde, mas ainda assim, de uma maneira geral no Brasil, a média para início do tratamento, desde a primeira consulta, é de 321 dias.
Dr. Ruffo apresentou o Projeto Itabaraí, que treina agentes comunitários mulheres a palpar mamas das pacientes, usando um aplicativo denominado Rosa, que conecta a equipe diretamente a enfermagem e ao médico especialista. “Se encontram um nódulo palpável, a paciente é encaminhada diretamente para a biopsia e depois segue o fluxo para conseguir a mamografia, de forma a adiantar o diagnóstico” explica. Neste projeto em curso em Goiânia, as mulheres participantes tiveram o diagnóstico em 40 dias desde o primeiro “sintoma” e iniciaram o tratamento em menos de 60 dias.
Para complementar o panorama brasileiro, o Dr. Luciano Fernandes Chala, coordenador da Comissão Nacional de Mamografia da CBR, apresentou a atuação da Comissão em prol da melhoria deste cenário no país, desde sua origem, em 1992 com a detecção do problema na qualidade das mamografias.
O professor destacou a campanha nacional do Ministério da Saúde como um divisor de águas com a atriz Cássia Kiss, que foi muito disruptiva para a época, com o primeiro nu na TV aberta, em horário nobre. Com essa campanha também teve início o incentivo para que os municípios adquirissem mamógrafos e aí nasceram os problemas de qualidade da imagem.
A CNM nasceu para avaliar os parâmetros de qualidade das mamografias e em 2012 auxiliou na criação do Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM), unindo CBR, Anvisa e Inca. “Se tratou de um programa ambicioso, em face de tantas barreiras em um país continental”, avaliou Dr. Luciano. “Apesar do PNQM, dos 6334 mamógrafos em operação, somente 10,7% têm certificação”, revela.
O CNM atua em outras frentes e a parte de certificação foi delegada à CADI. Hoje está à frente da defesa do rastreio a partir dos 40 anos e tem atuado em frentes políticas e sociais e na redação da diretriz atual, em conjunto com a Febrasgo e SBM.
“O combate às fake news com notas de esclarecimento e pareceres nos toma bastante tempo, enquanto temos que pensar nos desafios futuros, como os certificados para ressonância magnética e ultrassonografia, pensar nos caminhos com a inteligência artificial e seguir trabalhando para expandir o rastreamento”, finalizou Dr. Luciano.
Idade inicial de rastreio e periodicidade influenciam
Dra. Linei Augusta Brolini Delle Urban, coordenadora da Comissão de Mama do Colégio Brasileiro de Radiologia, mostrou que todas as discussões ao redor do mundo variam em idade inicial recomendada e periodicidade. “Os países que têm mais guidelines são os que têm menor taxa de mortalidade – isso ao mesmo tempo em que a incidência da doença cresce 0,5% ao ano em todo o mundo. Enquanto nos países desenvolvidos a mortalidade vem caindo, nos países subdesenvolvidos, a taxa cresce”, lamenta a médica.
Apesar de que nos países desenvolvidos haja maior exposição aos fatores de risco, as pacientes têm mais acesso, mas os países em desenvolvimento estão tendo mais contato com estes mesmos fatores e ainda assim, não melhorando as questões de rastreamento e acesso ao tratamento.
Para exemplificar, a médica mostrou uma pesquisa que compara a Suécia e a Grécia, dois países europeus com grande incidência de câncer de mama. Entretanto, enquanto a Suécia teve diminuição na mortalidade pela doença, a Grécia, no mesmo período, apresentou aumento. Isso porque a Suécia tem um programa de rastreio dos 40 aos 79 anos, com priorização de pacientes sintomáticas. A Grécia não possui nenhum.
Embora as recomendações de aumento do rastreio apresentem também “malefícios” como o aumento de falsos positivos, exposição à dose de radiação, os benefícios se sobressaem e podem ainda ser incrementados com ações como a incorporação da tomossíntese (que diminui casos de falsos positivos) e implementar redução de dose de radiação e melhora na qualidade das imagens.
Dra. Linei citou, ainda, várias recomendações divulgadas no novo documento, como a avaliação de risco a partir dos 30 anos (mesmo ao redor do mundo sendo aos 25), a mamografia anual dos 40 aos 74 anos, preferencialmente digital. “Também incluímos a realização de RM a cada dois anos para os casos de mama densa, com maior risco, para mulheres com atipia, entre outras avaliações que devemos fazer com base da história da paciente. Nossos desafios passam por como a inteligência artificial irá afetar o diagnóstico ao longo da vida da mulher e o que poderemos fazer com o financiamento e recursos possíveis”, encerrou.
O papel das Sociedades em relação ao rastreamento do câncer de mama no Brasil traz angústia para a Dra. Cibele Alves de Carvalho, presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia, que vê os programas caminhando muito mal no sistema público. “Quem carrega nas costas o rastreamento de mama são as prefeituras, que são pagas pelo SUS pela realização de apenas uma mama e ainda oferecem uma qualidade de imagem tão ruim, que não verdade estão apenas fingindo estar fazendo rastreamento”, desabafa.
Entre outros desafios que Dra. Cibele trouxe, mencionou a dificuldade em implementar a tomossíntese no rol da ANS. “Conseguem colocar medicamentos para câncer muito caros, que têm o seu valor, mas não conseguimos colocar uma ferramenta que já provamos, por meio de estudos, que demonstram o seu custo-efetividade”, lamentou.