JPR 2024
Dra. Linei Urban (foto: Claudio Roberto)

Risco de morte por câncer de mama reduziu em 3 vezes desde os anos 1990

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Nas últimas três décadas, o risco de morte em cinco anos por câncer de mama caiu de 14,4% para 4,9%. A referência, de artigo publicado no The BMJ, foi trazida pela médica radiologista Dra. Linei Augusta Urban, da DAPI e ULTRA-SCAN, de Curitiba, em sua aula sobre atualização dos critérios de rastreamento em câncer de mama na sexta (3), durante a JPR 2024.

Dentre os fatores para a redução de mortalidade por câncer de mama está o rastreamento por mamografia. Além de contribuir para a redução de risco de mortes pela doença, apresenta também outros ganhos secundários, como tratamentos menos agressivos. “Embora o rastreamento aumente a possibilidade de falsos positivos, é evidente o ganho para a população com esta abordagem”, ressalta Dra. Linei.

De acordo com a especialista, existe uma discussão de que o diagnóstico precoce poderia evitar a diversificação clonal, reduzindo a capacidade do tumor metastatizar ou de tornar-se resistente a terapias específicas. Sendo assim, é mais eficaz investir em rastreamento para diagnosticar lesões precocemente, do que se apoiar apenas no êxito das novas terapias. “Afirmar que a necessidade de rastreio irá diminuir porque o tratamento sistêmico direcionado é tão eficaz quanto à prevenção secundária é confundir causa e efeito. O diagnóstico precoce e as estratégias de tratamento são medidas sinérgicas, não concorrentes”, afirma.

 

Câncer de mama no Brasil e no mundo

A incidência de câncer de mama tem aumentado nas últimas décadas, com taxa de crescimento de 0,5% ao ano. No mundo, são cerca de 2,3 milhões de novos casos por ano de câncer de mama (IARC/OMS). As estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que, em 2024, mais de 73 mil brasileiras vão receber o diagnóstico de câncer de mama, o câncer mais comum nas mulheres, depois dos tumores malignos de pele.

Dra. Linei Urban, em sua apresentação, apontou as semelhanças e diferenças entre as taxas de incidência e de mortalidade registradas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Quanto às semelhanças, a exposição aos fatores de risco: maior exposição a fatores de risco reprodutivo, hormonal e comportamental, consequência de histórico de menos número de filhos, idade tardia da primeira gestação, menor tempo de amamentação ao longo da vida, além do uso de anticoncepcional e terapia de reposição hormonal, ocorrência de epidemia de obesidade, álcool e sedentarismo.

As diferenças estão no acesso. “Nos países desenvolvidos há maior acesso a serviços de qualidade, incluindo rastreamento, diagnóstico precoce e tratamento adequado. Por sua vez, ao contrário do que vemos nos países desenvolvidos, nas nações em desenvolvimento houve a persistência das taxas elevadas de mortalidade. Falta de infraestrutura de saúde adequada, escassez de programas de rastreamento e limitada disponibilidade de tratamentos adequados”, lamenta a médica radiologista.

Comparativamente, foi registrada nos Estados Unidos a redução de 43% da mortalidade, enquanto em países europeus a queda variou entre 8% e 40%, em países como Noruega, Suécia, Alemanha, Itália e Espanha. No entanto, no próprio continente europeu, há discrepâncias, de acordo com o perfil socioeconômico da nação. Um trabalho recente mostrou a complexidade desse problema, comparando dois países de moderada e alta renda, que são, respectivamente, a Suécia e a Grécia. Foi observado que, desde 1935, a incidência aumentou nos dois países, entretanto a mortalidade caiu na Suécia, enquanto na Grécia aumentou. Na Suécia, 60% dos casos foram detectados no Programa de Rastreamento (adotado para a faixa de 40 a 74 anos). “Existe na Suécia um cuidado padronizado com pacientes sintomáticos, tendo prioridade no agendamento, assim como o tempo entre exames e consultas é estritamente controlado”, analisa Dra. Linei Urban.

Na Grécia, ao contrário, não existe programa de rastreamento organizado. Diferenças socioculturais impactam na oferta de mamografia: pouco conhecimento dos benefícios do rastreio, a falta de recomendação médica, medo da dor ou de histórico familiar sério. A conclusão com isso, afirma a médica radiologista, é que as diferenças nas políticas socioculturais podem alterar os resultados em relação ao paciente com câncer de mama. Dentre as consequências, existe um número maior de tumores em mulheres jovens nos países em desenvolvimento. Isso fica evidente, por exemplo, ao se comparar os Estados Unidos e Brasil.

No EUA, segundo a American Cancer Society (ACS), 4% dos diagnósticos são antes dos 40 anos; 13% são entre 40 e 49 anos e 83% a partir de 50 anos. No Brasil, o estudo Amazon I, com ampla representatividade das regiões brasileiras, demonstrou que 12% dos diagnósticos são antes dos 40 anos, 32% entre 40 e 59 anos e 55% a partir dos 50 anos

A análise proposta pela especialista é que o aumento da incidência é consequência do aumento da prevalência de fatores de risco, muitas vezes modificáveis em todas as populações, mas ainda variando ao redor do mundo. O declínio na incidência é um testemunho dos avanços na saúde pública. No entanto, a persistência de taxas elevadas em regiões específicas destaca a necessidade de abordagens direcionadas, principalmente, a ampliação do acesso a serviços de saúde de qualidade.

Quais são as principais recomendações de rastreamento do câncer de mama ao redor do mundo?

Em sua aula, Dra. Linei Urban trouxe a atualização das estratégias de rastreamento de câncer de mama para diferentes grupos populacionais: mulheres de até 39 anos, acima de 40 anos, com mamas densas, com histórico de biópsia, histórico pessoal de câncer de mama invasivo, histórico pessoal de radioterapia torácica, com histórico familiar e com presença de mutação em BRCA1, TP53, BRCA2, entre outras. Trazemos abaixo as descrições para as três primeiras.

Mulheres de risco habitual – até 39 anos

  • Não é recomendado o rastreamento nesse grupo etário, em razão da menor incidência do câncer de mama (cerca de 7% dos casos)
  • Recomenda-se apenas uma avaliação da estimativa do risco de câncer de mama para todas as mulheres acima de 30 anos (modelos matemáticos) para melhor estratificação de risco.

Mulheres de risco habitual acima de 40 anos

MAMOGRAFIA

  • Rastreamento anual entre 40 e 74 anos, preferencialmente digital.
  • A partir dos 75 anos, continuar o rastreamento se não houver comorbidades, que reduzam a expectativa de vida (pelo menos 7 anos).

ULTRASSONOGRAFIA

  • Não se recomenda como rastreamento suplementar ou como método isolado pra mulheres com risco habitual.

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

  • Não se recomenda como rastreamento suplementar ou como método isolado para mulheres com risco habitual

TOMOSSÍNTESE

  • Recomenda-se que a tomossíntese seja adotada em combinação com a mamografia sintetizada ou com a mamografia 2D (combo) deve ser considerada no rastreamento, quando disponível.

Mulheres com mamas densas

MAMOGRAFIA

  • Rastreamento anual entre 40 e 74 anos, preferencialmente digital.
  • A partir dos 75 anos, continuar o rastreamento se não houver comorbidades, que reduzam a expectativa de vida (pelo menos 7 anos).

ULTRASSONOGRAFIA

  • Rastreamento anual pode ser considerado como adjunto nas mulheres com mamas densas (exceto quando ressonância magnética for realizada)

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

  • Rastreamento bienal pode ser considerado como adjunto nas mamas extremamente densas

TOMOSSÍNTESE

  • Recomenda-se que a tomossíntese seja adotada em combinação com a mamografia sintetizada ou com a mamografia 2D (combo) deve ser considerada no rastreamento, quando disponível.

O futuro do rastreamento em câncer de mama

A médica radiologista Dra. Linei Urban vislumbra que, no futuro, talvez o rastreamento mamográfico será utilizado na minoria de mulheres. Para aquelas de baixo risco e com mamas lipossubstituídas (procedimento cirúrgico estético no qual o tecido mamário é removido e substituído por gordura autóloga, obtida de outras áreas da própria paciente). Por outro lado, os métodos funcionais, como a ressonância magnética, serão os principais exames. O rastreamento individualizado será baseado em modelos de cálculos de risco muito melhores do que atualmente. A inteligência artificial não será utilizada apenas para prever o risco individualizado das mulheres, mas para todo o processo de agendamento, aquisição, interpretação e laudo dos estudos de rastreamento.

Além disso, a especialista deseja que os radiologistas assumam seu papel na definição das diretrizes de rastreamento ou planejamento do tratamento, quando da utilização de imagens. Ainda segundo ela, os cuidados com saúde dependem de financiamento e recursos e, em muitos locais, sujeitos a mudanças políticas no governo. O desafio é o que pode ser feito com os recursos e financiamento atuais, já que é pouco provável que mudem a curto prazo. É por isso que as recomendações de rastreamento devem ser baseadas nas melhores evidências científicas, porém tendo em consideração os recursos disponíveis e as necessidades do país. A redução da mortalidade só será alcançada, concluí a médica radiologista, com uma abordagem holística que inclua o acesso a programas de rastreamento e a infraestrutura de tratamento de alta qualidade.