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Inovação como especialização na Radiologia

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O estudo intitulado “Demografia Médica no Brasil 2020”, resultado da colaboração entre o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Universidade de São Paulo (USP), evidenciou um aumento significativo de médicos no Brasil (figura 1). Naturalmente, também é esperado um aumento no número de profissionais nas diferentes especialidades médicas, incluindo a radiologia. Nesse contexto, surgem novos desafios impulsionados pela tecnologia para o radiologista que quer se destacar no mercado de trabalho. O primeiro é a telerradiologia, que, embora ofereça flexibilidade quanto aos horários e local de trabalho, também aumenta a competição no campo, exigindo dos profissionais novas maneiras de se diferenciarem no mercado de trabalho. O segundo é a inteligência artificial (IA), que começa a mostrar sinais de maturidade e tem se tornado uma nova ferramenta a ser incorporada na rotina desses profissionais. Neste artigo, gostaria de enfatizar os desafios e oportunidades trazidos pela IA para os radiologistas que querem se destacar em um cenário cada vez mais tecnológico. 

Figura 1

Nos anos anteriores, ganharam destaque notícias e discursos exagerados de que a IA iria trazer disrupção no processo de diagnóstico e cuidado do paciente. É fato que boa parte dessas promessas estavam infladas e extremamente otimistas, de modo que, após um tempo sem grandes mudanças, houve uma consequente descrença da IA. Entretanto, hoje já podemos ver grandes hospitais e laboratórios de imagem utilizando novos algoritmos de IA na rotina, seja para auxílio diagnóstico, controle de qualidade ou otimização de processos. Sempre ao lado do radiologista, nunca a frente ou acima, de modo a trazer benefícios para o profissional, nunca tentando substituí-lo. Outro indicador que demonstra essa maturidade pode ser encontrado no meio acadêmico, onde os artigos científicos voltados para o impacto clínico das IA na radiologia estão dando espaço para os artigos que tentam acompanhar e monitorar os algoritmos que já estão implementados.

Considerando o cenário atual, o radiologista tem se questionado quanto à carreira linear tradicional em que o foco principal é a interpretação de imagens médicas e especialização em uma determinada área, como neurorradiologia, radiologia torácica, musculoesquelética, entre outras. Isso porque o profissional cada vez mais vê a necessidade de agregar valor no seu trabalho por meio de conhecimentos de outras áreas, ou então incorporar outras tarefas na sua rotina, de forma a atuar concomitantemente como professor, pesquisador, gestor etc. Uma nova alternativa em ascensão, cujo potencial é promissor para o futuro, é a atuação do radiologista como profissional voltado para a inovação. 

E o que faz o radiologista que trabalha com inovação? É uma carreira mais próxima do radiologista-gestor, mas com suas peculiaridades. Atua no processo de transformação digital, incorporação de novas tecnologias, controle de qualidade, entre outras. Para isso, é necessário que ele possua um conjunto de conhecimentos técnicos e habilidades interpessoais, que vão desde noções básicas de programação, até liderança e trabalho em equipe, incluindo fundamentos de inteligência artificial, ciência de dados, estatística, padrões de hardware e software, citando somente alguns assuntos. Até pouco tempo, era senso comum que esse tipo de especialização era muito “nichado”, reservado apenas para grandes hospitais ou serviços de saúde, que dispõem de tecnologia de ponta. Porém, ela está se tornando cada vez mais presente na vida de alguns radiologistas, seja por necessidade individual, daquele médico que tem medo de se tornar ultrapassado, ou por necessidade coletiva, em que o serviço onde você está inserido lança esse desafio a seus colaboradores. Mas como decidir quando vale a pena investir nessa carreira?  

Uma forma de ilustrar o raciocínio é comparar a incorporação dos algoritmos de IA com a de um PACS. Em um pequeno serviço, com poucos profissionais e equipamentos, as demandas são menores, de modo que um sistema mais simples pode atendê-las tranquilamente. Atualmente ainda há a possibilidade de terceirizar esse serviço. Qualquer problema que ocorrer, pode demorar um pouco mais de tempo para ser resolvido, porém o impacto na rotina também tende a ser menor. Por outro lado, em serviços maiores, como hospitais ou clínicas com múltiplas unidades e equipamentos, qualquer problema deve ser resolvido o mais rápido possível para reduzir o impacto na rotina. Times especializados em PACS começam a fazer mais sentido, de modo que profissionais com mais experiência e conhecimentos específicos das áreas técnicas são contratados.

A carreira de inovação pode ser uma jornada longa e árdua para quem está iniciando, o que pode ser desestimulante. Porém, por bem ou por mal, esta é uma jornada que pode ser trilhada por qualquer um, inclusive por profissionais fora da área da radiologia. A radiologia é pioneira no campo da inteligência artificial voltada para a medicina, basta ver o número de algoritmos aprovados pelo FDA e ver que a grande maioria é voltada para a radiologia (figura 2). Mas a barreira para que outros tomem a dianteira e se tornem os protagonistas dos processos de transformação digital e inovação dos serviços de saúde é relativamente baixa. Por isso, acredito que devemos procurar fomentar esse tipo de iniciativa e parabenizar a SPR por iniciativas como o GET (Grupo de Estudo de Tecnologia e Informática em Radiologia) que traz sempre temas relevantes e atuais para discussão. 

Figura 2 – Número de aplicações aprovadas pelo FDA (Food and Drugs Administration) que utilizam inteligência artificial na medicina, separados por especialidade médica, data de aprovação, empresa e código de produto.

Embora essa nova carreira se afaste um pouco da trilha padrão do radiologista, se especializar em inovação não necessariamente significa abandonar a atuação na radiologia, desperdiçando os nove anos ou mais de formação e dedicação na profissão. Muitos dos radiologistas que conheço, e que se dedicam a área de radiologia em inovação, ainda reservam parte de sua carga horária para a assistência, pois reconhecem que seu grande diferencial numa equipe de inovação é justamente o conhecimento da medicina, ou o ser médico. Pois um dos requisitos básicos do profissional é a capacidade de entender os desafios enfrentados na área da saúde e conseguir orquestrar soluções de forma organizada para se chegar aos resultados esperados. 

Para concluir, tenho confiança de que os radiologistas serão bem-sucedidos nesse novo desafio. A profissão já passou por diversas transformações, seja pela inclusão de novas modalidades, partindo da radiografia simples para a tomografia, ultrassom e ressonância magnética, bem como do analógico (filme) para o digital. Também acredito que esses novos desafios são só mais um degrau em nossa evolução profissional. Com dedicação, atualização constante e aproveitamento das oportunidades emergentes, os radiologistas brasileiros estarão preparados para se destacar nesse novo cenário, oferecendo uma combinação única de conhecimentos médicos e habilidades tecnológicas.

Referências:

  • SCHEFFER, M. et al., Demografia Médica no Brasil 2020. São Paulo, SP: FMUSP, CFM, 2020. 312 p. ISBN: 978-65-00-12370-8
  • WALD C, ALLEN Jr., AGARWAL S, BIZZO BC, GICHOYA JW, PATTI J. AI Central. ACR Data Science Institute [Internet]. Disponível em: https://aicentral.acrdsi.org/

Henrique Lee

Médico radiologista. Consultor de inovação no Hospital Israelita Albert Einstein. Preceptor do fellow / R4 de Tecnologia e Inovação em Imagem no Hospital Israelita Albert Einstein.